75 - Hospital

 

Meus olhos se abriram para uma luz branca e forte. Eu estava num quarto desconhecido. Estava recostado na cama dura e desigual – uma cama com grades. Os travesseiros estavam achatados. Havia um bipe irritante em algum lugar por perto.

Minhas mãos estavam presos a tubos claros e alguma coisa estava colada em meu rosto, sob meu nariz. Ergui a mão para arrancar, que coisa chata!

- Não, não pode. – dedos frios pegaram minha mão.

- Clara? – olhei para o lado rapidamente, vendo seu rosto perfeito e branco tão perto do meu. – Clara, me desculpe. Eu sin... – eu estava pedindo desculpas? Eu havia batido com a cabeça? Acho que sim. Com muita força pelo jeito.

- Shh. Agora tudo vai ficar bem. – ela me acalmou.

- O que aconteceu? – eu não conseguia me recordar. Embora lembrasse do inferno e do anjo me salvando.

- Quase que foi tarde. Quase não cheguei a tempo. – ela murmurou, o rosto duro.

- Ah, você me salvou. – fiz uma careta. – Mas foi minha culpa, eu acho, ele estava com meu pai. Ou eu achava que estava. Fui idiota em achar que poderia. Uma garota me quebrou e outra garota me salvou. Aii que decadência em minha vida. – resmunguei, embora sentisse dores a cada maior esforço.

Clara deu um sorriso duro, que logo se apagou.

- Sempre machista. Mas ele enganou a todos.

- E como está meu pai? Preciso encontrá-lo. E Renata? Tenho que ligar para ela. – percebi, embora minha voz estivesse tão fraca quanto a capacidade funcional de meu cérebro.

- Elidia ligou para eles. Seu pai está aqui. Foi pegar algo para comer.

- Ele está aqui? – tentei sentar e fiquei tonto, mãos frias me empurraram para o travesseiro. – Tontura idiota! – resmunguei, odiando aquela fraqueza.

- Ele já volta. Você tem que ficar quieto. – lembrou-me Clara, cuidadosa.

- O que você disseram a ele? – fiquei curioso e preocupado.

- Você tropeçou na bancada do estádio e rolou entre escadas e cadeira até o gramado.

Suspirei, que coisa ridícula. Eu iria parecer uma menina desatenta que sai se matando por ai. Sentindo uma nova onda de dor olhou para o lençol, havia um enorme calombo onde deveria ficar minha perna.

- Que idiota! – resmunguei. – O que aconteceu comigo?

- Tem uma perna quebrada, quatro costelas quebradas, algumas rachaduras no crânio, hematomas cobrindo cada centímetro do seu corpo e perdeu muito sangue. Eles fizeram algumas transfusões. Eu não gostei... deixou seu cheiro estranho por algum tempo.

- Não foi bom para você?

- Não. Prefiro seu cheiro.

- Sou irresistível. – murmurei, fraco. – Como você conseguiu? – ela entendeu minha pergunta.

- Não tenho certeza.

Ela desviou o rosto e pegou minha mão enfaixada.

- Foi impossível parar. Muito difícil. Mas eu consegui. Eu devo realmente amar você. – ela me olhou com um meio sorriso.

- Claro que você ama. – resmunguei. Ela revirou os olhos.

- Não faça mais isso. Nunca mais arrisque tirar você de mim. – pediu.

Eu tive alguns lapsos de Vitoria, o vídeo... Seu sorriso desgrenhado. Estremeci.

- O que aconteceu com ela?

- Depois que a arranquei de você. Edvandro e Joaquim deram um jeito nela. – havia fúria em sua voz e arrependimento.

Isso me confundiu.

- Não os vi lá.

- Eles tiveram que sair. Havia muito sangue.

- Mas você ficou?

- Sim. – ela deu um sorriso convencido. Então não era apenas eu o convencido.

- E Elidia e Carlos... – comentei, lembrando-me.

- Eles te amam. – ela comentou.

- Elidia viu a fita? – lembrei-me.

- Sim. Agora ela entende. – havia algo sombrio em seu rosto. Ergui minha mão para tocá-la, mas então algo me impediu.

- Uh! – resmunguei.

- O que?

- Agulhas.

- O machista tem medo de agulhas?Medinho de agulhas? – ela provocou.

- É por que não é com você. – me defendi, foi idiota demonstrar isso.

- Agulhas? Uma vampira sádica querendo matá-lo e você corre ao encontro dela. Agora agulhas, por outro lado...

Revirei os olhos. Quis mudar de assunto para não me irritar com ela.

- Por que você está aqui?

Isso apagou completamente seu sorriso.

- Quer que eu vá embora?

- Não. Quero saber por que meu pai pensa que você está aqui. Eu preciso saber qual é a história.

- Ah. – a testa dela se suavizou. – Eu vim de Joinville para convencê-lo a voltar. Você concordou em me encontrar no estádio em que estava matando a saudade. Meu pai e minha irmã estavam comigo. Eu tinha que estar com algum responsável. – ela sorriu, o rosto tão sincero que eu quase acreditei. – Então nós conversamos, e você, arrogante como sempre me deu as costas e foi subindo a arquibancada. Quando eu o chamei você se virou todo arrogante e acabou se desequilibrando, batendo num banco num ângulo estranho que quebrou sua perna e rolou violentamente batendo contra o concreto. Mas não precisa se lembrar de nada, você tem boas desculpas para estar confuso depois disso.

- Ah, quer dizer que eu sai como um arrogante mimado? – protestei.

- Você não pode reclamar. Elidia queria dizer que ao correr ao meu encontro você tropeçou e caiu, mas eu achei que isso não combinava com você.

Fiz uma careta.

- Prefiro a sua versão. Mas existem algumas falhas não acha? Não existe cena do crime.

- Na verdade, existe sim. Elidia se divertiu muito provocando as evidencias. Está tudo perfeito. E você só tem que se curar.

- Com o estigma de ser um cabeça dura que tropeçou no estádio. Que humilhação.

Ela deu uma risadinha e se aproximou, antes de chegar a encostar seus lábios frios nos meus o monitor já havia se acelerado.

- Isso é vergonhoso. – murmurei.

- Eu discordo. – havia malicia em seu tom de voz e finalmente ela tocou meus lábios.

Eu quis passar meus braços em volta do pescoço dela, mas Clara se afastou e segurou meu pulso.

- Ei, nada de arrancar seus medicamentos. – alertou.

- Então termina de me beijar antes que eu resolva ir até você fazer isso. – resmunguei, um pouco autoritário demais. Ela riu e se aproximou, beijando-me apaixonadamente.

Segundos depois ela se afastou.

- Acho que ouvi seu pai no corredor.

Um pânico irracional me atingiu.

- Não me deixe. – pedi.

Com uma piscadela ela foi até o sofá.

- Vou ficar aqui. Não se preocupe. Acho que um cochilo me fará bem. – ela se recostou do modo mais desconfortável possível no sofá, pessoas nunca conseguiriam dormir daquele modo. Ela fechou os olhos.

- Não se esquece de respirar. – comentei. – E vê se não ronca viu?

Ela respirou fundo, um leve sorriso em seus lábios. Eu escutei meu pai fazendo uma pergunta ao médico ou enfermeira, ela respondia de modo profissional. Aguardei que ele entrasse, mas meu desejo era correr até ele.

Odiei minha incapacidade de fazer isso.

Agora eu precisava de muitos cuidados.

Argh!