16 - Parceiros

 

O professor veio a nossa mesa, para ver por que não estávamos trabalhando. Olhou por sobre os nossos ombros e viu que já tínhamos acabado, e depois olhou mais intensamente para conferir as respostas.

- Então, Clara, não acha que Eduardo devia ter a chance de usar o microscópio? – ele perguntou.

- Na verdade, ele identificou três das cinco lâminas. – disse com sua voz musical.

O professor passou a olhar para mim, de modo cético. Talvez eu tivesse cara de burro, e ele estava certo, mas ainda assim, foi meio duro para o meu ego.

- Já fez essa experiência de laboratório antes? – perguntou ele.

Eu sorri timidamente. Droga! Descoberto.

- Não com raiz de cebola.

- Blástula de linguado?

- Foi.

O professor assentiu.

- Você estava em algum curso avançado no Rio?

- Estava.

Na verdade, vivia fazendo aulas extras, e a esposa de meu pai, Solange, era professora de biologia.

- Bem – disse depois de um momento – Acho que é bom que os dois sejam parceiros de laboratório. – Ele murmurou mais alguma coisa ao se afastar. Depois que saiu, fiquei meio preocupado com o que deveria fazer.

- E o que achou da neve? – ela perguntou. Tive a sensação de que ela se sentia na obrigação de bater um papinho comigo, ou, ela queria mesmo ouvir minha agradável voz. Decidi ser o mais agradável possível.

- Legal. – respondi com sinceridade, me sentindo um idiota, esse era minha forma de agradar? Estava ficando enferrujado nessa cidade chuvosa.

- Você não gosta do frio. – não era uma pergunta.

- Nem da umidade.

- Joinville deve ser um lugar chato para você morar. – refletiu ela.

- Não faz ideia. Mas certas coisas são contornáveis.

Ela pareceu fascinada com o que eu disse. Será que entendeu que o que contornava o tédio daquela cidade era sua beleza subumana? Mas não parecia exatamente isso. Embora seu rosto fosse uma distração tão grande que tentei não olhá-la mais do que exigia a cortesia. Falhando, obviamente, para poder lançar meus olhares interessados. Garotas amam a troca de olhares num relacionamento, é patético, mas por ela eu poderia me tornar um cavalheiro.

- Então por que veio para cá?

Ninguém tinha me perguntado isso – não da forma direta como ela fez, exigente.

- É... complicado.

Não queria parecer uma garotinha reclamando de sua vida.

- Acho que posso acompanhar. – pressionou ela.

   Fiquei quieto por um tempo. No fundo eu queria compartilhar aquilo com Clara, mas me parecia tão gay conversar com uma garota sobre minha vida. Depois cometi o erro de encará-la. Seus olhos dourados-escuros me confundiam e respondi sem pensar.