20 - Fenômeno

  - Eu estava bem do seu lado. – disse ela, o tom sério de novo.

Assim que abri os olhos, vi que algo estava diferente.

 

Era a luz, ainda que clara e tímida, apenas o véu de um dia nublado. Em minha janela já era mais clara. Pulei fora da cama esperando que fosse o sol, porém, era algo ainda mais encantador.

 

Uma fina camada de neve cobria o jardim, acumulava-se no alto do carro de minha mãe e deixava a rua branca. Toda a chuva do dia anterior parecia ter se solidificado – cobrindo as agulhas das árvores em fantásticas formas e fazendo da entrada de carro uma pista de gelo lisa.

 

Para mim, agora seria maravilhoso.

 

Renata estava saindo de casa quando desci para o primeiro andar.

 

- Tchau, meu bebê.

 

Ela se despediu, levando apenas um sorriso levemente irritado de minha parte. Se ela não parasse de me chamar de bebê eu iria ficar maluco.

 

Apesar disso, morar com Renata estava sendo agradável. Ela passava a maior parte do dia trabalhando e a casa era toda minha. A privacidade que me fez partir do Rio pelo menos foi encontrada nessa cidade.

 

Engoli rápido uma tigela de cereal e tomei um grande copo de suco direto da caixa. Sentia-me empolgado para ir a escola, isso era totalmente novo para mim – eu? Empolgado com a escola? Rá, parecia piada. – Mas eu sabia que havia alguém por trás dessa minha expectativa. Para ser sincero, eu iria a escola hoje somente para poder rever Clara. Nem o futebol parecia me atrair tanto quanto aquela garota.

 

Eu estava ansioso para descobrir o que mais ela desejava me esconder, sabia que tentava disfarçar seus sentimentos por mim, e aquela história dos olhos ainda me deixavam desconfiados. Também havia seus momentos que ela parece me odiar, mas isso não me preocupava, é apenas amor reprimido.

 

Estava totalmente consciente de que em breve ela demonstraria seu súbito interesse e eu não perderia a oportunidade. Talvez fosse por isso que eu estava tão ansioso.

 

Quando sai da casa, fui deslizando pelo gelo, como se patinasse, até parar desastrosamente diante do portão. Talvez patinar não seja tão fácil com tênis e uma calçada escorregadia. Resolvi manter minha animação contida, não poderia chegar na escola com um nariz fraturado por minhas idiotices.

 

Enquanto caminhava, eu estava decidido a pensar em Clara e no nosso quase romance. Eu sei que estou agindo meio bobo, talvez como um cachorrinho sem dono, mas, Senhor, aquela garota é incrível!

 

Meio abobado fiquei procurando formas de imaginar ela se declarando, ou quem sabe, eu finalmente chegando nela, pegando em sua cintura e beijando seus doces lábios com muita vontade. Uuuu...

 

Pare Eduardo!

 

Já está agindo como uma garotinha tola e apaixonada.

 

Repreendi-me. O que estava acontecendo comigo?

 

A beleza daquela garota devia estar eclipsando meus neurônios.

 

Cheguei na escola meio distraído, pensando em Clara, obviamente. Estava seguindo para a entrada, quando notei que Clara estava parado a quatro carros de distancia, me observando. Quando ensaio um sorriso galanteador para ela um guincho agudo começou a se tornando alto e dolorosamente rápido.

 

Clara me olhava desesperada, sua face se destacando do mar de rostos, todos paralisados com a mesma máscara de choque.

 

Olhei para cima, sobressaltado.

 

Uma van azul escura que tinha derrapado, travado os pneus e guinchado com os freios, rodando como louca pelo gelo do estacionamento. Ia bater direto na traseira do carro que eu estava parado na frente. Não tinha tempo nem de fechar os olhos.

 

Pouco antes de ouvir o esmagar da vã sendo amassada no carro diante da qual eu estava parado, alguma coisa me atingiu, mas não da direção que eu esperava. Minha cabeça bateu no asfalto gelado e senti uma coisa sólida e fria me prendendo no chão. Eu estava deitado atrás do carro caramelo estacionado ao lado de onde eu estava. Mas não tive tempo de perceber mais nada, por que a van ainda vinha. Raspara com um rangido no outro carro e, ainda girando e derrapando, estava prestes a bater em mim de novo.

 

Um xingamento baixo me deixou ciente de que alguém estava comigo e era impossível não reconhecer a voz. Duas mãos longas e brancas se estenderam protetoras na minha frente e a van estremeceu até para a trinta centímetros do meu rosto, as mãos grandes criando um providencial amassado na lateral da van.

 

Depois as mãos mexeram-se com tal rapidez que pareciam um vulto. Uma estava segurando a van e outra me arrastava, balançando minhas pernas como um boneco, até que elas atingiram o pneu do carro caramelo. Um gemido metálico machucou meus ouvidos e a van parou, estourando o vidro no asfalto – exatamente onde, um segundo antes, minhas pernas estavam.

 

Por um segundo foi silencio absoluto, antes que começasse a gritaria. No tumulto repentino eu podia ouvir várias vozes chamando meu nome, eu ainda dei um sorrisinho, todas me amam. Mas com clareza, pude ouvir a voz suave que sussurrava baixa e frenética no meu ouvido.

 

- Eduardo? Esta tudo bem?

 

- Sim. Se você me apertar mais. – respondi galanteador, com uma voz estranha, que não parecia a minha. Tentei me sentar, mas ela me segurava num aperto de aço.

 

- Cuidado. – alertou. – Acho que você bateu forte com a cabeça. – eu podia sentir a preocupação ardendo em sua voz.

 

Percebi uma dor latejante acima da orelha esquerda. Era por isso que tudo rodava.

 

- Oh. – disse surpreso.

 

- Foi o que eu pensei. – pela voz dela, parecia reprimir o riso.

 

- Como foi que... – respirei fundo, enquanto desejava que tudo parasse de rodar. Era tão confuso. – Como foi que você chegou aqui tão rápido?