43 - Há quanto tempo você tem 17 anos?

 

 

- Já não deixamos as evasivas para trás agora? – ela me lembrou delicadamente.

Desviei os olhos de seu rosto pela primeira vez, tentando encontrar as palavras.

- Eu não vou rir. – prometeu ela.

- Tenho medo que você fique com raiva de mim.

- É tão ruim assim?

- Muito ruim.

Ela esperou. Eu olhava para fora da janela, sem poder ver sua expressão.

- Continue. – sua voz era calma.

- Não sei por onde começar. – admiti.

- Por que não começa pelo inicio... você disse que não inventou isso sozinho.

- Não.

- De onde tirou... de um livro? Um filme? – sondou ela.

- Não... Foi no sábado, no rio. – arrisquei uma olhada para ela, que parecia confusa. – Estive com uma velha amiga da família... Julia Galibi. – continuei. – Minha mãe e a mãe dela se conhecem e são amigas pelo jeito. – fiz uma careta.

Ela ainda parecia confusa.

- O pai dela é um dos anciões. – eu a observava com cuidado. Sua expressão confusa congelou ali. – Fomos dar uma caminhada... – eu editava todo meu esquema da história. - ...e ela me contou algumas lendas antigas... Acho que tentando me assustar. Como se pudesse. – dei uma risadinha, mas logo fiquei sério. – Ela me contou uma... – eu hesitei.

- Continue. – disse ela.

- Sobre vampiros. – percebi que havia sussurrado. Clara não reagiu, mas suas mãos apertaram o volante com mais força.

- E imediatamente pensou em mim? – ainda calma.

- Não. Ela falou da sua família.

- O que você fez depois? Acreditou imediatamente? – ela não me olhava.

- Não. Fui pesquisar na internet.

- E então resolveu tudo? – seu tom era desdenhoso.

- Não. – confessei. – Complicou ainda mais.

- E agora? – ela ainda olhava para frente.

- Não sei. Acho que não importa muito. – dei de ombros.

- O que? Como assim não importa? – sua voz saiu dura.

Finalmente tinha sido rompido sua mascara, a expressão dela era incrédula com um toque de raiva.

- Não me importa o que você é! Pronto. Não me obrigue a ser romântico! – resmunguei, chateado com a situação constrangedora.

- Não se importa por eu ser um monstro? Não ser humana? – seu tom era ríspido de escárnio.

- Não.

Ela olhou para frente, seu rosto vazio e frio.

- Está com raiva? – perguntei. – Não devia ter falado sobre isso. É loucura!

- Concordo plenamente! – a voz tão dura quanto o rosto.

- Quer dizer que estou errado? – desafiei.

- Não é disso que estou me referindo. “Não me importa!”. – citou com raiva.

- Eu estou certo? – ofeguei.

- E isso importa? – ela debochou.

- Ah, Clara, qual é. Você não pretende me contar mesmo. Para mim não vai fazer diferença, mas sim, adoraria saber a verdade. – botei para fora novamente, me sentindo ridículo por parecer tão sentimental.

- Que verdade? – seu tom era pensativo. Como se avaliasse.

- Quantos anos você tem?

- Dezessete. – respondeu prontamente.

- E há quanto tempo você tem 17 anos?

Seus lábios se retorceram enquanto ela olhava para a estrada.

- Há algum tempo. – admitiu por fim.

Suspirei aliviado.

- Não ria. Mas como faz para sair durante o dia?

Ela riu ainda assim.

- Mito.

- Queimada pelo sol?

- Mito.

- Dormir em caixões?

- Mito. – ela hesitou por alguns segundos. Um tom peculiar entrou em sua voz. – Não posso dormir.

- Nunca? – perdi o fôlego com essa.

- Nunca.

Então ela me encarou, como se esperasse por algo. Fiquei olhando para ela de modo sedutor, enquanto eu mesmo me admirava com aquela beleza sobre humana.

- Ainda não fez a pergunta mais importante? – sua voz era ríspida, seus olhos frios.

- Qual? – fiquei confuso.

- Sobre minha dieta.

- Não precisa, está em ótima forma. – brinquei. Os olhos dela me fuzilaram. – Tudo bem, o que tem?

- O que tem? – repetiu, parecendo aborrecida. – Não quer saber se bebo sangue? – era uma ameaça implícita em sua voz ou foi minha imaginação?

Respirei fundo.

- Julia disse algo sobre isso.

- E o que ela disse? – perguntou ela categoricamente.

- Disse que vocês são diferentes. Que não deviam ser perigosos.

Ela olhou para frente.

- E então, ela tem razão? – tentei soar displicente, mas estava no carro com uma vampira e nem sabia qual era seu cardápio.

- Eles têm boa memória. – sussurrou ela. – Mas não permita que isso o deixe complacente. Eles têm razão em manter distancia de nós. Somos perigosos.

- Por quê? – fiquei confuso.

- Nós tentamos. – explicou ela lentamente. – Em geral somos bons no que fazemos. Mas às vezes é difícil. E cometemos erros. Como eu ao me permitir estar sozinha com você.

- Isso é um erro? – pude sentir a decepção em minha voz.

- Um erro muito perigoso!

Um silêncio pesado caiu entre nós, mas não queria perder nenhum detalhe. Agora que sabia que ela não me mataria, me sentia animado, como se eu estivesse em algum filme do Drácula e tal. Aquilo era muito maneiro!

- Me conte mais! – pedi, curioso.

- O que você quer saber?

- Por que comem animais em vez de gente?

- Não quero ser um monstro. – disse ela, perturbada.

- Mas os animais não bastam?

Ela parou.

- Não sei. Nossa piadinha particular é que somos vegetarianos. Mas animais não saciam completamente a fome... ou melhor, a sede. Mas isso nos mantém fortes o suficiente para resistir. Na maior parte de tempo. – sua voz ficou agourenta. – Às vezes é mais difícil...

- É difícil agora?

Ela suspirou.

 - Sim.