46 - Discussão - Clara Buzzi - Parte 2

 

 

 

Subi as escadas e fui para o escritório de Carlos, sabia que ele estava ali, pude ouvi-lo. Nem precisei bater na porta.

- Entre, Clara. – ele convidou.

- Oi, Carlos, posso conversar com você?

- Claro, tenho um tempo ainda, antes de voltar para o hospital.

- Eduardo descobriu sobre nós. – fui direta.

Várias coisas cruzaram a mente dele naquele momento, mas o que imperou foi a duvida.

- O que faremos? – ele falou em voz alta. – O que você quer fazer?

- Eu quero ficar com ele. Mas eu tenho medo. – eu me sentia tão vulnerável.

- Confie em você Clara. Eu sei que consegue se controlar. O quanto gosta dele? – Carlos me encarou.

- Muito.

Seus pensamentos se alegraram. Eu sabia que a tempo ele queria que eu tivesse um companheiro. Mas Eduardo não poderia ser meu companheiro – ele era humano, era frágil, vulnerável à morte.

- Ele é humano! – comentei, zangada.

- Isso não muda nada. Amor é amor, não importa as diferenças.

Oh, aquilo realmente mexeu comigo!

- Você está certo. Mas eu tenho medo. – continuei.

- Clara, acalme-se, confie em você. Aguentou até agora. Converse com o Eduardo. Tente equilibrar esse relacionamento.

- Equilibrar? Como? Sou muito mais forte que ele. E isso vai matar o ego dele. Ah se vai! – e eu acabei rindo com o pensamento. Eduardo nunca suportaria isso.

- Venha. Vamos conversar com os outros, ver o que pensam sobre isso. – Carlos convidou. Éramos uma família unida, todas as decisões eram tomadas em conjunto.

Caminhamos até nossa sala de jantar, Carlos chamou os outros, enquanto eu andava ansiosa de um lado para o outro. Nossa sala de jantar era apenas uma sala de reuniões, já que nunca fazíamos nossas refeições em casa.

Ouvi eles chegando, quando todos estavam ali olhei para eles, encarando minha família. Elidia tinha um sorriso radiante em seu rosto.

- Como sabem, Clara alimenta fortes desejos por Eduardo. Mas acima de tudo, tem fortes sentimentos por ele. Eduardo descobriu que somos vampiros. Agora toda a família está a mercê dele. Clara pretende continuar falando com ele. Mas acho que todas as opiniões contam. Por mim, ela sabe que pode continuar. – Carlos sorriu para mim, lia em sua mente o contentamento.

- Claro querida. Desejo que sejas feliz. – Esther, minha mãe adotiva, com o rosto em forma de coração e um jeito maternal, sorriu.

- Oh, isso é incrível. Um humano na área. – Edvandro gargalhou estrondosamente.

- Incrível. – Elidia bateu palmas.

- Isso é ridículo. Ele é patético. – Etelvina fez uma carranca.

Olhei para Joaquim, que estava em silencio. Li em sua mente o que planejava, num átimo eu estava diante dele, olhando-o com ódio.

- Nem pense nisso! – grunhi.

Carlos segurou meu braço.

- O que houve? – perguntou preocupado.

- Joaquim quer matar Eduardo, por que ele descobriu nosso segredo. – falei com tanta rapidez que parecia um silvo.

- Não vai fazer isso, Joaquim. Eduardo é problema de Clara. Ela vai resolver isso.

- Espero que ela o mate! – Joaquim despejou.

- Vai esperar pela eternidade! – resmunguei entre dentes. – Não ouse machucá-lo. Não respondo por mim! – sibilei.

- Você ainda vai fazer esse trabalho por mim. – ele despejou, antes de sumir.

Olhei para os outros, meu rosto feroz.

- Não se preocupe com o Joaquim.  Ele não fará nada. – garantiu-me Elidia.

- Não posso negar que ele esteja certo. – Etelvina comentou, retirando-se também.

- Isso vai ser maneiro! – Edvandro se animou. Ele também saiu.

- Vou falar com o Joaquim. – Elidia se retirou.

Olhei para meus pais adotivos, o amor que sentia por eles se equiparava com um amor de pais e filho biológicos.

- Você vai ser feliz, querida! – Esther me abraçou.

- Boa sorte, filha! – Carlos sorriu para mim.

- Obrigada. – agradeci, sentindo-me realmente com 17 anos ao ser abraçada por minha mãe e meu pai.

Sai para a noite fria, sem sentir a menor diferença com a ausência de luz – meus olhos eram adaptados a isso. Corri pela mata seguindo o caminho que ultimamente eu tanto gostava de seguir. Pulei aquele muro e me escondi atrás de uma grande planta, aquela em que estive quando ouvi Eduardo falar com aquele cachorro rosa.

Pensando no cachorro ele apareceu, quando sentiu minha presença, saiu ganindo baixinho, indo se esconder em algum canto – ele me odiava. Não podia culpá-lo. EU era o predador.

Com agilidade e imensa facilidade, escalei a parede do quarto dele, abrindo a janela silenciosamente, pulei para dentro. Eduardo dormia profundamente em sua cama e aquele era o modo que eu mais amava vê-lo. A pose de machão ficava de lado, ele parecia tão jovem e vulnerável. Os cabelos negros e ondulados ficavam emaranhados e seu ar de indiferença – o que eu associava como um modo de atrair garotas – sumia completamente, trazendo um semblante sereno, encantador.

Senti vontade de tocá-lo, mas temi que minha pele fria o acordasse. Contentei-me em observar seu rosto, guardando-o em minha memória, para que durante a eternidade eu pudesse me lembrar dele. Recordar-me que mesmo morta, eu me senti viva. E mesmo sendo um monstro eu me senti melhor.

Eu não sabia o que o futuro reservava para nós. Mesmo assim, daria a eternidade para ficar ali, parada, observando Eduardo dormir.