49 - Ego inflamado

 

 

- Não conquistei? – odiei o modo como minha voz saiu fraca. Era como se ela tivesse me magoado.

Bom, se eu fosse sincero, confessaria que ela realmente tinha me magoado.

Ela jogou um sorriso, um belo sorriso que me estonteou.

- Tenho outra pergunta. – disse-me ela. Fugindo da minha.

- Manda. – deixei passar, por enquanto.

- Quer mesmo ir a Araquari no sábado do baile?

- Ah, o baile. Acho que estou sem par. – olhei insinuativamente para ela.

- Acho que podíamos fazer algo diferente no dia. – comentou ela.

Desde que eu estivesse com ela, topava qualquer coisa.

- Qual é a ideia?

- O tempo estará bom, então vou ficar fora dos olhares públicos... Se quiser ficar comigo.

Claro que eu queria.

- E vai me mostrar o que quis dizer sobre o sol? – perguntei, animado com a ideia de revelar outro de seus aspectos desconhecidos.

- Vou. – ela sorriu e depois parou. – E conte a sua mãe que vai passar o dia comigo. – pediu.

- Por quê?

- Para que eu tenha um motivo para devolvê-lo.

- E se eu não quiser que você me devolva? – pisquei para ela, galanteador.

- Eu sei... – ela ficou pensativa. – Mas prefiro que conte à Renata.

- Não vou contar. – comentei, eu estava teimando só de provocação.

Ela me fuzilou com os olhos verdes, muito claros hoje.

- Vamos mudar de assunto. – comentei, não queria discutir.

 - Do que você quer falar? – perguntou ela, ainda zangada.

Olhei ao redor, procurando se estávamos fora do alcance dos ouvidos alheios. Depois voltei a encarar os olhos de Clara.

- Por que subiu a Serra com Elidia? Minha mãe disse que tem muitos animais selvagens por lá.

Ela me encarou como se eu tivesse deixado passar algo obvio.

- Animais selvagens? – arfei.

Ela acenou.

- Claro que não temos nada muito grande por aqui. Ficamos mais com animais pequenos. Quando procuramos muito, e se estamos com sorte, encontramos jaguatiricas, que são as preferidas da Elidia. Edvandro prefere ursos pardos, mas só os encontramos no Norte da América.

Ual. Ursos? Jaguatiricas? Tentei não notar o arrepio que passou por minha espinha.

- Hmm. – disse dando outra dentada em minha pizza, para disfarçar minha expressão. Depois de engolir olhei para Clara. – E aí, - encontrei seu olhar ansioso. – qual é seu preferido?

Ela ergueu as sobrancelha e mordeu os lábios, em desaprovação.

- Leão. Inexistente por aqui.

- Ah. – disse educadamente. Leão. Eu estava quase namorando uma garota que caçava leões? Oh!

Fiquei pensando. Ursos... Leões... Jaguatiricas... Oh!

OH! Oh! OH!

- Me diga exatamente o que está pensando, por favor? – pediu ela, ansiosa.

- Estou tentando imaginar, mas... não consigo. – admiti. – Como vocês caçam sem armas?

- Ah, nós temos nossas armas. – ela faiscou os dentes brancos e perfeitos,  num sorriso breve e ameaçador. Claro, Eduardo, seu burro, ela é uma vampira! Vampira! – Mas não o tipo de arma que se considera quando redigem leis de preservação e de caça.

Hmm, eu era machista o suficiente para admitir que não conseguia imaginá-la caçando leões. E maluco o suficiente para querer.

- É algo que posso ver? – perguntei.

- Claro que não! – seu rosto ficou ainda mais branco do que o de costume e seus olhos de repente eram furiosos.

Ela estava assustadora, e nunca em minha vida eu admitiria isso.

Nunca!

- É assustador demais para mim? – perguntei, tentando soar zombador, mas a voz ainda era meio fraca.

- Se fosse assim, machista, o levaria esta noite. – disse ela, a voz cortante. – Seria acabar com seu ego mostrar seu lado medroso. Nada seria mais benéfico para você.

- Então por quê? – pressionei, tentando parecer mais corajoso do que me sentia nesse momento.

 - Por que é perigoso. Quando caçamos nos rendemos aos nossos extintos. Se você estivesse por perto, com esse seu cheiro. Eu não sei se me controlaria. Perigoso demais. – ela ainda estava fria.

Tentei ignorar meu arrepio.

Fui salvo de responder.

- Acho melhor irmos para a sala. – continuou, cortante.

Percebi, só naquele momento, que nos éramos quase os últimos no refeitório. Levantei-me e segui com a criatura mais bela da escola ao meu lado.

Meu ego inflando com isso.