55 - "E eu, um dia me juntarei a vocês?"
Depois que chegamos ao carro – aquele maravilhoso carro. Eu saltei imediatamente das costas dela, sendo obrigado a colocar as mãos em meus joelhos para me manter em pé. Apesar da maravilha da corrida com ela o movimento tinha me deixado um pouco tonto.
- Urgh! Carregado por uma garota! Isso é humilhante! – resmunguei, olhando para o chão.
Ouvi a risada dela.
- Machista! – ela grunhiu.
- Ah sim. Onde fica minha moral masculina quando você me carrega? – rosnei. Tinha certeza que ficava muito abaixo de zero.
- Edu? – ela chamou, e senti que estava bem perto de mim.
Ergui meu rosto.
Sim – muito perto.
- Por favor. Não se mova.
- Vai logo. – resmunguei, já ansioso.
Ela se aproximou, lentamente. E colou seus lábios frios sobre os meus. Imediatamente passei meu braço em volta dela e retribui com ardor. Eu era assim. Era difícil mudar.
Senti ela se enrijecer e me afastei.
Ela ainda segurou meu braço, enquanto sorria.
- Está cada vez mais fácil. – comentou.
- Se quiser eu dou umas aulinhas de como beijar. – ofereci, galanteador.
Ela gargalhou.
- Acho que tive mais tempo do que você para treinar. Vamos agora?
Eu fechei a cara. Então ela andou treinando durante sei lá quanto tempo de vida que ela já teve.
- Então você andou treinando? – resmunguei, quando sentei no banco do carona.
Ela me olhou, mesmo que já tivesse começado a dirigir. Fechei a cara por ela fazer isso perfeitamente, sem o mínimo esforço.
- Está com ciúme? – a voz dela era divertida.
- Hum. – resmunguei.
- A o Duduzinho ta com ciúme. – ela provocou. Mordi os dentes.
- Quanto tempo? – despejei.
- O que?
- Quanto tempo você já teve para treinar? – minha voz saiu dura.
O rosto dela se endureceu. Me animei com aquilo – ponto para mim.
- Eu estava brincando ok? Nunca estive assim com ninguém.
- Mesmo assim. Agora quero saber. Quando você nasceu?
- Eu me pergunto se isso vai te assustar. – ela comentou.
- Ah, me poupe, Clara. Eu sei me controlar. Não sou uma menininha. – resmunguei.
Ela riu.
- Ah é? Nasci em Chicago em 1901. – ela olhou para mim. Tentei desesperadamente esconder minha expressão. – Carlos me encontrou num hospital no verão de 1918. Eu tinha 17 anos e estava morrendo de gripe espanhola.
Ela me ouviu respirar. Embora mal fosse audível para meus ouvidos. Clara me olhou dentro dos olhos.
- Não me lembro da minha vida humana. Apenas da mudança. Não é algo que se esqueça. – ela encerrou o assunto.
- E seus pais?
- Já haviam morrido. Só sobrou eu. Foi um surto muito grande de gripe. Tanto que eu mesma não fiz falta quando desapareci.
Fiquei mais interessado.
- Como ele transformou você? Mordeu no pescoço?
O rosto dela ficou mais rígido.
- Sim. Ele mordeu. Mas não necessariamente no pescoço. Não é algo fácil de fazer. Nem todos têm o controle suficiente para não matar quando se quer transformar.
Vi que ela não queria falar mais nada. Porém não conseguia me controlar.
- Você conseguiria se controlar comigo?
- NÃO! – ela gritou, de repente apavorada. Isso me assustou. – Se apenas o cheiro do seu sangue já me deixa assim, imagina se eu sentir ele em meus lábios. – ela apertou o volante com força. – Não tenho um autocontrole tão grande.
- E por que Carlos te transformou? – mudei de foco, para que ela se controlasse.
- Por solidão. Fui a primeira da família. Embora ele tenha encontrado Esther logo em seguida. Ela havia tentando se matar. Estava quase morta e eles a levaram diretamente ao necrotério. Porém Carlos notou que seu coração ainda batia. Ele a transformou e eles ficaram juntos desde então.
- Precisa estar morrendo para se transformar? – perguntei. Eu podia me jogar na frente de um ônibus ou algo do tipo.
- Não necessariamente. Apenas Carlos faz isso. Ele nunca daria essa vida a alguém que tivesse alguma escolha.
- E os outros?
- Ele também salvou Edvandro. Ele encontrou Etelvina muito ferida e a levou para Carlos. Pediu que a transformasse para ele. Os dois ficaram juntos também. No começo eu não entendia o que Carlos queria, ele escondia seus pensamentos de mim. Depois percebi que ele queria que Edvandro fosse para mim o que ele é para Esther. Mas ele é apenas um irmãozão para mim.
- Elidia e Joaquim?
- Os dois são um caso raro. Foram criados por outros vampiros e criaram consciência sozinhos. Elidia tem suas visões...
- Visões? – interrompi.
- Ela vê o futuro. Mas é tudo subjetivo. Sempre pode mudar. – disse com dureza. Depois continuou a história. – Bom, e isso a fez ver nossa família. Ela encontrou Joaquim e juntos eles se juntaram a nós.
Pensei um pouco sobre isso.
- E eu, um dia me juntarei a vocês?
- Dificilmente. Não quero que você esteja amaldiçoado a essa vida! – sua voz era conclusiva.