6 - Me enturmando

 

 

Quando o sinal tocou, um tilintar ensurdecedor e irritante, um garoto se aproximou de mim. Era magricelo com problemas de pele e cabelo preto feito uma mancha de óleo. Ele se inclinou para falar comigo.

 

- Você é Eduardo Souza, não é? – ele parecia direitinho os CDF prestativos e dedos-duros.

 

- Sim. – confirmei. Metade da sala voltou sua atenção para mim. Adorei isso.

 

- A próxima aula é Estudos Regionais, com a professora Andréia, você vai gostar dela. Se precisar de alguma ajuda pode contar comigo. – ele se ofereceu.

 

- Hmm, ok. – concordei. Agora nós éramos o centro das atenções.

 

- Olha, ela entrou. Ah, Meu nome é Erick. – acrescentou.

 

Dei um sorriso enquanto caminhava para a professora com cara de mal humorada, para levar seu papel. Ela assinou e me fez várias recomendações, com uma voz que achei melosa e irritante. Soube que não iria gostar dela.

 

Quando voltei para o meu lugar, Erick puxou assunto comigo.

 

- E aí, isso é bem diferente do Rio, não é? – perguntou ele.

 

- Muito.         

 

- Não chove muito lá, não é?

 

- Não.

 

- Puxa, como deve ser isso? – maravilhou-se ele.

 

- Ensolarado. – eu lhe disse. Quase acrescentei um “dã” para o CDF.

 

- Você esta bronzeado.

 

- Esse é o efeito do sol. – respondi com sarcasmo.

 

Cara, esse bicho deve ser viado. Onde já se viu ficar comentando sobre o bronzeado de macho. Quase dei um chega para lá nele. Por sorte a professora começou a falar com sua voz irritante e o CDF voltou sua atenção para ela.

 

O resto das aulas transcorreu normalmente. Já na terceira aula estava me enturmando com os colegas mais próximos e já analisava as gatinhas que estavam solteiras.

 

Fui para o recreio na companhia de Erick, ele me levou a uma mesa e me apresentou a vários de seus amigos, algumas garotas por sinal. Fiquei olhando para elas, uma era baixinha, com o cabelo escuro, rebelde e cacheado.

 

Foi ali, naquele refeitório, me enturmando com os colegas de Erick que eu os vi pela primeira vez.

 

Estavam sentados no canto do refeitório, a maior distancia possível de onde eu me encontrava no pátio comprido. Eram cinco. Não estavam conversando e nem comiam, embora cada um deles tivesse uma bandeja cheia e intocada diante de si. Não me encaravam como os outros alunos. Mas não foi nada disso que atraiu minha atenção.

 

Eles não eram nada parecidos. Dos dois meninos, um era grandalhão e musculoso – com inveja ele era mais musculoso que eu, com cabelo escuro e crespo. O outro era mais alto, mais magro, mas ainda musculoso, e tinha cabelo louro cor de mel.

 

Não perdi muito tempo com eles. Passei meus olhos para as meninas, que eram o contrário. A alta era escultural, linda – do tipo que se vê em capa de revista. O cabelo era dourado, caindo delicadamente em ondas até o meio das costas. A menina baixa parecia uma fada, extremamente magra, com feições miúdas. O cabelo era de um preto intenso, curto, picotado e desfiado em todas as direções. A última era esguia, magra, com um cabelo desalinhado, cor de bronze caindo pelos seus ombros juntamente com a franja que lhe caia desfiada sobre a testa.

 

E no entanto, todos eram de alguma forma parecidos. Todos eles eram pálidos como giz, os alunos mais brancos que viviam nessa cidade sem sol. Todos tinham olheiras – arroxeadas, em tons de hematoma. Como se tivessem passado uma noite insone, ou estivessem se recuperando de um nariz quebrado. E todos os narizes eram retos, perfeitos, angulosos.

 

Mas não era por nada disso que eu não conseguia parar de tirar os olhos deles.

 

Fiquei olhando para seus rostos, tão diferentes, tão parecidos, eram completa, arrasadora e inumanamente lindos. Eram rostos que não se espera ver a não ser talvez nas páginas reluzentes de uma revista de moda. Ou pintados por um antigo mestre como a face de um anjo. Era difícil decidir quem era mais bonita – talvez a loura perfeita, ou a garota de cabelo cor de bronze.

 

Todos pareciam distantes – distantes de cada um ali, distantes dos outros alunos, distantes de qualquer coisa em particular, pelo que eu podia notar. Enquanto eu observava, a garota baixa se levantou com a bandeja – o refrigerante fechado, a maçã sem nenhuma dentada – e se afastou com passos rápidos, longos e graciosos apropriados para uma passarela. Fiquei olhando surpreso para seus passos de dança, até que ela entregou a bandeja e seguiu para a porta dos fundos, mais rápido do que eu teria pensado ser possível. Meus olhos dispararam de volta aos outros, que ficaram sentados, impassíveis.

 

 - Quem são eles? – perguntei ao Erick, sentado do meu lado.