72 - A fuga

 

 

Quando eu voltei para a sala, temendo que Elidia percebesse que algo estava errado, tentei manter meu rosto firme.

Era pelo meu pai – a única coisa que me fazia pensar.

Eu queria muito encontrar Clara, contar para ela, pedir que me ajudasse nisso. Mas se ela percebesse, se o rastreador percebesse, já era uma ver meu pai. E eu vou viver com essa culpa.

Foi uma surpresa encontrá-la apertando a mesinha de centro. Caminhei até ela, preocupado.

- Elidia? – chamei.

Ela olhou para mim. Os olhos desfocados, olhando para algo no futuro. Não soube como reagir.

- Elidia! – a voz de Joaquim chegou a mim antes dele, segundos antes. Percebi a porta terminando de se fechar quando ele já estava ao lado dela. – O que você vê? – perguntou.

Ela desviou os olhos de mim, olhando para o peito dele.

- Eduardo.

- Estou aqui. – respondi.

Ela voltou a olhar para mim, preocupada, assustada, eu podia ter uma breve ideia do que ela via, mas tinha que conseguir fugir. Tinha que escapar para ajudar meu pai.

- O que você viu? – perguntei, o mais tranquilo possível.

Joaquim me analisou, confuso com aquela visão de Elidia que desconhecíamos e provavelmente com meus sentimentos.

Uma onda tranquilizadora chegou até mim. Aproveitei para me cobrir com ela, me ajudando a manter minha farsa. Elidia também se recuperou.

- Não foi nada. A mesma sala. – comentou, tão tranquila quanto eu, mas seus olhos me analisaram.

Depois disso decidi tomar um banho. Coloquei todo o dinheiro no bolso da minha calça. Fiquei aliviado por que saímos cedo, sentei sozinho no banco de trás, embora Elidia me lançasse olhares de esguelha a cada segundos.

- Elidia? – chamei, minha voz calma. Joaquim me ajudava muito com isso.

Ela me olhou, cautelosa.

- Sim?

- Como funciona suas visões? Clara disse que são subjetivas. Ela mudam com frequência. Como é isso? – falar o nome de Clara foi terrivelmente mais difícil, principalmente por saber que ela iria se magoar tanto por mim. Isso deve ter alertado Joaquim, por que uma nova onda tranquilizadora instalou-se no carro.

- Sim, as coisas mudam... – declarou, de modo esperançoso, pelo que me pareceu. – É como o clima. Às vezes está mais certo, outras nem tanto. Só vejo o rumo quando se está no caminho. Se muda de ideia já altera tudo.

- Então você só viu Vitoria no Rio quando ela decidiu vir para cá?

- Sim. – concordou, cautelosa.

 E ela só me viu na sala de espelhos quando decidi encontrá-la e salvar meu pai. Decidi não pensar muito nisso, mas sabia que agora iriam me vigiar em dobro.

Chegamos no aeroporto e a sorte estava do meu lado, o voo de Clara iria pousar no maior terminal. Era o que eu precisava, confusão e muitas pessoas. Eles não ousariam me deter fisicamente, não é?

Perto da hora peguei o envelope e olhei para Elidia.

- Minha carta. – disse. Ela assentiu e pegou.

Os minutos passavam e eu sabia que Clara estava chegando, e desejava tanto poder ver ela quando salvar meu pai. Mas sabia que se esperasse para vê-la eu não fugiria mais, não pensaria mais em nada. Apenas nela.

Várias vezes Elidia se ofereceu para ir buscar meu café da manhã, recusei, dizendo agora não.

Quando olhei no quadro de vôos, faltava meia hora, então ele mudou e o voo de Clara estava adiantado dez minutos. Eu não tinha mais tempo.

- Posso comer agora? – Elidia se levantou, prontamente. – Gostaria que Joaquim fosse comigo. Estou meio... – e ela entendeu.

Ele se levantou para me acompanhar. Notei que Elidia parecia tranquila, não desconfiada. Talvez atribuía minha presença na sala com o rastreador por um ardil dela e não uma traição minha.

Enquanto caminhava para a lanchonete, passamos pelo banheiro.

- Importa-se? Vai levar um minuto.

Ele quis entrar junto.

- Ah, qual é. Não quero mijar com alguém me vigiando. – resmunguei, bem no meu estilo.

Joaquim riu e acenou com a cabeça. Assim que entrei no banheiro corri para a outra saída – eu adorava vir com meus amigos andar por locais públicos. Quando sai pela porta corri direto para os elevadores e por sorte um estava aberto, pronto para descer. Não ousei olhar para trás, com medo do que eu veria. As portas se fecharam.

Assim que as portas se abriram eu estava correndo novamente, ainda bem que jogar futebol me dava um bom condicionamento físico.

Havia um táxi, parando para outro homem. Entrei na porta de trás antes dele e passei o endereço de meu pai, jogando uma nota de cinquenta para o motorista antes que falasse algo.

Enquanto o carro seguia, pensei no encontro que eu poderia estar tendo com Clara. Como eu a abraçaria, beijaria seus lábios frios. E nós iríamos para algum lugar distante, só nós. Eu nem queria pensar em como seria bom isso – era capaz de voltar ao encontro dela.

Quando chegamos, agradeci e desci, sabendo que não era para ter medo, ainda, ele não estava ali.

Procurei pela chave escondida e abri a porta. Corri imediatamente para o telefone. Havia um número ao lado. Disquei-o rapidamente, com dedos trêmulos. Eu não estava ansioso para a morte. Não mesmo.

Só tocou uma vez.

- Alô, Eduardo. – a voz fina e suave. – Que rapidez. Estou impressionada.

- Meu pai está bem?

- Ele está ótimo. Não se preocupe. Não preciso dele. A não ser que você não esteja sozinho, claro. – falava leve, divertida.

- Estou sozinho. – muito sozinho.

- Muito bem. Sabe o estádio perto da sua casa? Estou lhe esperando, no vestiário. Venha depressa.

- Sim. – comentei, a voz fraca, me controlei para não chorar.

- Ótimo, então o verei em breve.

Eu desliguei.

Não tinha como matar saudade da casa, como saber se as coisas estavam bem. Eu apenas tinha que dar as costas para tudo e correr ao auxilio de meu pai, provavelmente Solange e as crianças estavam também com aquela sádica.

Enquanto corria pela rua asfaltada, olhando os prédios, todo aquele cinza, eu sentia falta do verde, de todo aquele mato de Joinville... De casa.