78 - Crepúsculo

 

 

Estávamos sentados numa mesa com a família de Clara. Como o ano letivo havia terminado, todos na escola haviam se reunidos naquela enorme lanchonete para reunir todos os alunos.

Claro que eu quis ir. Clara hesitou um pouco, devido a tala em meu pé, mas garanti-lhe que isso não seria um problema. Na verdade, ela estava sendo terrível com os cuidados – somando minha mãe e a Elidia eu não sabia como ainda não tinha me suicidado.

Embora, devo admitir, adoro ser todo paparicado por tantas mulheres. Todos na escola souberam que eu tinha me acidentado e eu havia me tornado muito mais popular e recebia grandes desejos de melhoras das garotas – para o ódio de Clara.

A música eletrônica que tocava foi trocada por uma lenta e potencialmente melosa. Era tudo que eu precisava. Mas o que quase me matou foi o pedido de Clara.

- Vamos dançar?

- Não. Eu não vou dançar isso! – neguei imediatamente.

- Por quê?  - seu olhar terrivelmente vampiresco me encarou.

- Minha tala. – acenei para a perna, até que ela podia se provar útil.

- Isso não será um problema. – ela comentou com um sorrisinho. – Vamos ou vou levá-lo a força. Isso será humilhante.

Eu sabia o potencial dessa ameaça.

- Tudo bem, vamos a nossa dança manca. – suspirei, no tom mais mártir que consegui colocar em minha voz.

Segui, de mãos dadas com a garota mais perfeita do local – do mundo, provavelmente – e parei de frente para ela, no canto da pista. Dei um sorrisinho vitorioso, não tinha como eu dançar mancando.

Clara deu um sorrisinho igualmente vitorioso. Ela passou os braços ao redor da minha cintura e me puxou, assustado olhei para ela.

- O que está fazendo?

- Vou dançar com meu namorado. – ela sorriu docemente.

- Não. Não. Não. Não faz isso. Não. Por favor! – implorei, freneticamente, olhando para os lados ansioso, aguardando alguém que estivesse vendo aquilo.

- Qual é Eduardo, só uma dança, por mim?

- Não Clara. Por favor. Não me humilha assim.

Nós começamos a girar – e eu nem estava me movendo. Clara me erguia suavemente do chão e acho que na pista mau iluminada ninguém notaria isso. Bom, eu não admitiria, mas até que eu estava gostando... um pouquinho. Meu corpo estava muito colado ao corpo dela, tão colado que me levava a pensamentos que eu agradecia por ela não ouvir.

Eu deixei meu machismo de lado por um momento e enquanto a música melosa tocava, parei para analisar o rosto dela, aquele belo rosto.

- Está vivo ainda? – ela perguntou com a voz maravilhosa quando notou meu olhar.

- Por muito pouco tempo. – resmunguei, como se não estivesse gostando.

O rosto dela ficou muito sério – eu não achei que ela fosse ficar tão chateada – mas Clara olhou para a porta, segui seu olhar e entendi o problema: Julia Galibi olhava para os estudantes um pouco desconcertada. Ela encontrou meu olhar e sorriu.

Clara grunhiu baixinho.

- Ela quer conversar com você.

- Está com ciuminho? – cutuquei ela de leve e isso doeu, eu tinha que lembrar que isso era algo proibido com ela.

Clara não teve tempo para responder, Julia já estava perto de nós.

- Eduardo, eu esperava encontrar você. – seu rosto demonstrava o contrário, mas a voz ainda era gentil e amigável.

Ela olhou brevemente para Clara e percebi que Julia havia crescido, estava do tamanho dela.

- Posso interromper? – ela perguntou, amigável.

Clara me colocou no chão e se afastou.

- Então, o que deseja? – eu era bem direto. Julia se encolheu um pouco.

- Quer dançar?

- Fica meio difícil. – acenei para a tala.

- É. Bom, meu pai pediu que eu viesse aqui. – comentou sem jeito. – Na verdade, ele me pagou para isso. Mas é idiota. – ela deu de ombros.

- Diga logo! – fiquei curioso.

- Ele mandou eu pedir para você terminar com sua namorada.

Eu fiquei com raiva. Nunca terminaria com ela.

- Não farei isso. Mande ele cuidar da própria vida. – meu tom fez Julia se encolher.

- Desculpe. Foi ele quem pediu. E... Foi bom vê-lo.

- Tem mais? – percebi, principalmente pelo rosto culpado dela.

- Esquece.

- Fala! – exigi.

- Ele mandou dizer que está de olho.

Tive que respirar fundo para me controlar. Foi muito esforço para isso.

- Recado dado. Lamento não poder ajudá-la mais. E eu gostaria muito que seu pai cuidasse da própria vida. Ok? – embora eu fosse levemente delicado dava para sentir a raiva em minha voz.

- Tudo bem. Desculpe.

Eu senti pena dela.

- Não se culpe. Não estou chateado com você. – ela me olhou, um pouco constrangida.

– Quer alguma ajuda? - ofereceu.

- Pode deixar que eu cuido dele. – Clara já estava ao meu lado.

- Tudo bem. Tchau. A gente se vê. Desculpa de novo. – ela sorriu gentilmente para mim e se afastou.

Clara olhou para mim e me puxou para fora da lanchonete, ela olhou para o pôr do sol, pensativa.

- O crepúsculo – comentou. – Por mais perfeito que seja um dia ele sempre chega ao fim. As coisas sempre acabam.

Eu não sabia por que ela havia começado esse assunto, mas sabia o que eu devia responder.

- Não é verdade. Algumas coisas não precisam acabar. Como você... e eu, se você me transformar.

Dúzia de emoções cruzaram seu rosto. Ela se controlou e olhou nos meus olhos.

- Quer mesmo isso? Acabar com sua vida?

- Não. Quero apenas alongar ela para ficar mais com você e, claro, me igualar um pouco com você. – dei um sorrisinho animado.

- Acho que prefere a força e a beleza a mim. – ela ficou séria.

- Eu quero ser forte e bonito para você. Isso faz toda a diferença. Eu... droga, eu quero estar com você. Quantas vezes você acha que eu deixaria uma garota me guiar numa dança se ela não fosse realmente importante?

- Então é isso que você quer? Prepare-se para seu ultimo crepúsculo. – ela me olhou e lentamente aproximou seus lábios do meu pescoço. Fechei os olhos, temendo a dor que eu sabia que viria. Mas ela apenas me deu um beijinho e se afastou.

- Por que parou? – abri os olhos, surpreso.

- Acha que eu me renderia tão facilmente. – ela provocou.

- Não custa nada sonhar. – fiquei irritado.

- Em ser um monstro?

- Eu talvez serei um monstro. Mas você não se enquadra nessa categoria. Não mesmo. Não vai se render não é?

- Não. – ela foi firme.

- Eu também sou persistente quando eu quero! – ameacei. – E eu quero ficar com você!

Passei meus braços ao redor de seu corpo frio e me inclinei para beijá-la. Naquela noite ninguém venceria. O impasse continuava. Mas eu não desistiria. Não me permitiria perder a criatura mais perfeita do universo.