38 - Histórias de terror

 

 

 

- Você é o Eduardo Souza?

Confirmei.

- Meu nome é Julia Galibi.  Sua mãe conhece a minha. Vi fotos suas. - ela comentou com uma risadinha.

- Daiane? – arrisquei, lembrando do que minha mãe falou.

- Isso mesmo. É bom conhecê-lo.

- É. - concordei. Ela parecia ser legal.

- Estou tentando montar um carro agora. Por acaso você viu um cilindro mestre de um Volkswagen Rabbit 1986? - perguntou ela de brincadeira, espero eu que em toda a frase. Ela tinha uma voz rouca e agradável.

- Não. Não vi nenhum. Você não monta carros mesmo né? - uma garota fazendo isso? Parecia muito estranho.

- Sim. Meu pai que ensinou. - ela abriu um sorriso encantador, que eu reconhecia como sendo de interesse.  

Adriani, que tinha voltado sem eu notar, também reparou o sorriso de Julia.

- Edu, pena que a Clara não veio aqui hoje né? Ninguém pensou em convidá-la? - despejou com rancor.

- Quer dizer a família do Dr. Carlos Buzzi? - perguntou a garota mais velha.

- É. Você conhece? - perguntou ela, mais irritada ainda com a interrupção.

- Os Buzzi não vem aqui.

Olhei para a garota mais velha, tentando compreender o que aquela frase poderia ter significado. Era como se Clara e sua família fossem proibidos de virem aqui. Quem negaria a presença deles? Só um maluco.

- Quer caminhar um pouco? - convidei a garota, ela talvez tivesse respostas.

Enquanto seguíamos pela subida do rio, notei que Adriani nos acompanhou com os olhos brilhando de ódio. Olhei para a garota, pensando em como começar.

- E ai, você tem 16 anos?

- Acabei de fazer 15. - respondeu ela.

- É mesmo? É muito bonita! E só tem 15!

- Obrigada. - ela parecia deliciada com o elogio.

- Costuma ir para minha área? Poderia fazer uma visita.

- Não costumo ir muito. Mas quando tiver meu carro e a carteira eu passo lá. - animou-se ela. E olha que até ela ter a carteira ia demorar.

- Quem era a outra menina que Adriani estava falando? Ela parecia mais velha para sair com a gente.

- É a Sandra... Ela tem 19 anos. - informou-me ela.

- O que ela estava dizendo sobre a família do médico? - perguntei com inocência. Sorrindo sedutor para ela.

- Ah, os Buzzi. Eles não podem vir aqui.

- E por que não?

Ela olhou para mim, mordendo o lábio.

- Eu não posso falar sobre isso.

- Ah, eu não vou contar para ninguém. É só curiosidade. - abri outro sorriso galanteador, passando a mão pelo meu cabelo.

Ela parecia encantada com aquela atenção toda. Retribuindo meu sorriso, ela ergueu a sobrancelha e sua voz ficou ainda mais rouca.

- Gosta de histórias de terror?

- Adoro. - fiquei ainda mais animado.

Ela sentou num tronco caído perto da margem do rio. Fui para o lado dela, mal contendo minha ansiedade.

- São histórias sobre o meu povo. Lendas idiotas na verdade. - ela fez uma careta, mostrando sua descrença com essas histórias. - A lenda diz que descendemos dos lobos... E que os lobos ainda são nossos irmãos. É contra a lei da tribo matá-los. E há histórias sobre os frios. - a voz dela ficou um pouco mais baixa.

- Os frios?

- É. Há histórias muito antigas sobre eles. Mas algumas são recentes. Dizem que meu bisavô os conheceu. Foi ele quem fez um trato que os manteve afastado de nossas terras.

- Seu bisavô?

- Sim. Ele era um chefe da tribo, como meu pai. Os frios são inimigos naturais do lobo. Não do lobo comum. Mas os que se transformam em homem. Para você, os lobisomens.

- Os lobisomens têm inimigos? - eu começava a achar aquilo muito idiota.

- Só um. Os frios são seus inimigos. Mas aqueles que apareceram na época do meu bisavô diziam que eram diferentes. Eles não machucavam pessoas. Por isso não deviam ser perigosos. Então meu bisavô fez uma trégua com eles. Desde que prometessem ficar longe de nossas terras.

- Mas se eles não eram perigosos, por que afastá-los?

- Sempre a riscos para quem fica perto deles. Mesmo que sejam "civilizados" como aquele clã. Nunca se sabe quando ficarão famintos demais para resistir.

- Como assim, "civilizados"? - a história estava ficando emocionante.

- Diziam que eles não caçavam humanos e sim animais.

- Mas o que isso tem a ver com os Buzzi? Eles são iguais aos frios que seu bisavô conheceu? - aquilo era ridículo!

- Não. - ela fez uma pausa dramática. - Eles são os mesmos.

Eu fiquei espantado.

- Agora aumentou o clã. Mas meu bisavô já conhecia o líder, Carlos.

- E o que eles são? - perguntei, curioso. - O que são os frios?

Ela sorriu de um jeito sombrio.

- Bebedores de sangue. Como os chama: vampiros!

Naquele momento eu congelei. Um milhão de lembrança de Clara rodava em minha mente.

- Você está assustado?

- Só estou pensando. Você é boa em contar histórias. - comentei, enquanto tentava organizar meus pensamentos.

- É muito louco né? Não é a toa que meu pai não gosta que fale sobre isso.

- Não vou contar a ninguém. Não se preocupe.

- Mas sério, não conte a sua mãe. Ela ficou bem irritada com meu pai quando soube que não estávamos mais indo ao hospital por causa do doutor Carlos.

- Tudo bem. Vou ser um túmulo. - a palavra não caiu muito bem.

- Ai está você Eduardo! - Mike se aproximou. - Já estamos indo. Parece que vai chover. - novidade!

- Claro. - me voltei para Julia. - A gente se vê então. Foi uma ótima história! - pisquei para ela e me afastei.

Quando entrei no carro nem me incomodei com a cara de raiva de Adriani e o sorriso malicioso de Mike, apenas encostei minha cabeça e me concentrei em não pensar!