68 - "Você vale a pena"

 

 

- Tenho que dar uma olhada na mente dela. Talvez eu realmente não pudesse evitar isso. Mas você estava lá por minha culpa. Ainda assim, você cheira muito bem. Isso é tentador demais sabia? – ela sorriu, irônica. – Além do mais, eu o protegi. E isso... bem, piorou as coisas. Ela não está acostumada a ser contrariada. E quando quer alguém ela consegue. Sua vida é feita de caça e ela procura por desafios. Imagina o maravilhoso desafio que estou dando para ela? Um clã grande e forte protegendo um frágil humano... – seu tom era cheio de repulsa.
Ela parou por um momento.
- Mas se eu não tivesse te protegido, ela teria te matado lá mesmo.
- Eu pensei que não fosse tão atraente para os outros como sou para você. – comentei, confuso.
- E não é. Mas isso não quer dizer que seu cheiro ainda não seja bom para os outros. Se ela sentisse o mesmo apelo que eu sinto por você, teria tido uma luta lá mesmo.
Ela ficou revoltada.
- Não existe alternativa. Teremos que matá-la. Carlos não vai gostar. – comentou consigo mesma.
Eu ardi de curiosidade. Era o momento certo para perguntar.
- Como se mata um vampiro?
Ela me encarou com os olhos verdes, sabia que pensava se me contava ou não. Talvez após tantas discussões sobre o assunto, ela decidiu que eu não era uma menininha – podia me contar sem receio.
- Despedaçando e queimando. O único meio seguro e garantido.
Ta, ok. Essa foi meio forte.
- Alguém vai lutar com ela? – perguntei, um pouco ansioso.
- O homem vai, com certeza. Quanto a Laura não tenho certeza. Eles não tem um vinculo muito forte. Ela está com eles por conveniência. E ficou envergonhada pela atitude de Vitoria...
Eu fiquei preocupado.
- Esse homem e essa Vitoria vão tentar machucá-la?
- Eduardo, não se atreva a ficar preocupado comigo ok? Eu sou a forte. Você é o fraco. Eu predador, você presa. Não ouse se preocupar. Você é quem tem que ficar seguro.
- Que droga, Clara. Eu odeio ser a presa. Odeio não poder te proteger. Eu também queria ser forte!
O rosto dela se endureceu.
- Não vamos discutir sobre isso. Você vai ficar seguro. Vamos protegê-lo.
- Eu não quero ser protegido como uma MENINA! – gritei, irritado. – Clara... eu não gosto desse abismo entre a gente.
- Eduardo, no momento não há nada que podemos fazer. Por favor, se comporte? Por favor? Você é importante para mim. Por favor? – ela pediu, seu rosto perfeito não estava duro. Era preocupado e... apaixonado.
Edvandro virou o carro e percebi que chegávamos a casa dos Buzzi, tudo estava ligado. Clara abriu minha porta antes que o carro tivesse parado e me puxou do banco, enfiando-me em seu peito correu comigo para a porta.
Aquilo me irritou muito, muito mesmo.
Eu era a criança que precisava ser protegida. Era horrível aquela situação. Horrível demais. Ser carregado pela própria namorada é muito humilhante. Foi muito pior ao ver todos os Buzzi mais Laura nos observando.
Naquele momento quis morrer.
Edvandro rosnou para Laura, enquanto Clara me colocava no chão.
- Ela está nos perseguindo. – informou Clara, olhando malignamente para Laura.
Laura suspirou.
- Era o que temia.
- O que devemos fazer? – Carlos perguntou para ela.
- Ela não vai parar. Agora que começou. Nunca vi nada como ela em meus cem anos. Seus sentidos são incomparáveis e absolutamente letais. Quando sua menina o defendeu isso a estimulou.
Elidia dançou até Joaquim e cochichou com ele, os dois subiram as escadas. Etelvina veio para perto de Edvandro, lançando um olhar furioso para mim – pelo jeito desejando que eu morresse.
- Pode impedi-lo? – Carlos perguntou.
- Nada pode detê-la.
- Nós podemos. – Edvandro parecia animado ao meu lado.
Laura lançou um olhar confuso para mim.
- Tem certeza de que vale a pena?
Clara deu um rugido enfurecido que encheu a sala, Laura se encolheu.
Carlos olhou para ela.
- Acho que deve tomar uma decisão.
- Desculpem-me, não quis causar nada disso. Mas não vou lutar contra Vitoria. Tampouco os tenho como inimigos. Lamento o que aconteceu mas não vou tomar partido. Fiquei curiosa com o modo de vocês.
- Se quiser pode ir a Jaraguá, temos amigos que vivem do mesmo modo por lá. – ofereceu Carlos.
Ela pensou, ainda lançando um olhar confuso para mim.
- Acho que vou fazer isso. Eu sinto muito.
- Tudo bem. Vá com cuidado. – aquilo parecia uma benção.
Assim que Laura sumiu, Esther apertou um botão que fez um pesado metal bloquear todos os vidros. Fiquei espantando.
- Onde ela está? – Carlos perguntou para Clara.
- Há alguns metros daqui, rondando. Está esperando o macho.
- Qual é o plano?
- Vamos tirar o Edu daqui e então a caçaremos. – sua voz era fria, quase desejosa.
Carlos acenou, seu rosto não eram animado, mas estava resoluto.
Clara abriu minha mochila sem que eu notasse, ela cheirou rapidamente algumas coisas e mandou algo para o Edvandro.
- Use isso, para enganar. Você também Ete. – mandou outra blusa pelo ar.
Etelvina deu um passo para o lado e deixou que – agora enxerguei – uma blusa minha fosse ao chão. Edvandro já estava com meu casaco – esse eu nunca mais iria usar. Parecia até que iria se partir a qualquer momento.
A escultural me encarou com ódio.
- Por que devo fazer isso? O que ele é para nós a não ser um perigo que você nos infringiu?
Eu me encolhi com a acidez em sua voz. Poxa, linda daquele jeito e me esnobando assim. Era demais para mim.
Clara desviou o olhar dela – como se ela não tivesse falado.
- Esther?
- Claro. – e no instante seguinte ela já tinha pegado minha blusa e vestido.
Aquilo estava ficando muito sinistro.
- Etelvina e Esther saiam com o Jeep, para o norte. Clara, Edvandro e eu vamos com o Volvo, tem o cheiro dele, para o sul. Depois vocês podem sair. Vai dar certo? – ele olhou para Elidia.
Ela ficou pensativa por um tempo.
- O homem vai seguir o Jeep e ela vai atrás do Volvo. Depois disso podemos partir.
Carlos num piscar de olhos foi e voltou, entregou um celular para Esther e outro para Elidia, ficando com um para si.
- Tudo bem. – comentou.
Nisso Clara me pegou num abraço e me beijou rapidamente, diante de toda a sua família. Ainda bem que seu suposto pai não era violento, senão eu iria virar banquete do Drácula agora mesmo.
Quando comecei a corresponder ao beijo, ela se afastou. Seus olhos não tinham brilho, nem vida. Ela me deu as costas e sumiu pela porta. Carlos passou com um sorriso tranquilizador e Edvandro tinha um ar completamente animado com a ideia de caçar.
Confesso que se eu não fosse a presa eu também iria gostar.
Fiquei na sala, estarrecido. Aguardando que a vampira ruiva entrasse pela porta e me matasse antes que alguém pudesse entender o que havia acontecido – mas na verdade, o lerdo ali era eu.
Percebi que Esther estava no telefone.
- Tudo bem. – ela olhou para Etelvina, que saiu lançando um ultimo olhar de desprezo para mim. Esther parou diante de mim e sorriu. – Vai ficar tudo bem. – disse com sua voz maternal e seguiu para a porta.
O telefone estava na orelha da fofura da Elidia antes mesmo que tocasse.
- Clara. Tudo bem. – ela o desligou. – Vou pegar o carro.
Ela saiu da sala. Joaquim se aproximou da porta, mantendo distancia de mim – cauteloso.
- Você sabe que está errado. – disse-me.
Encarei ele, confuso.
- Eu sei o que está sentindo e você sabe que está enganado. Você vale a pena. – comentou.
- E se alguém se machucar? – droga, Eduardo, virou sentimentalista? Preocupadinho com os outros?
Ele deu de ombros.
- Ainda assim, você vale a pena.
Quando Elidia voltou meu ego estava nas altura. Joaquim havia dito que eu valia a pena. Mas depois que pensei bem, talvez fosse só meu sangue que valesse – era sedutor para eles. Ah, esquece, um vampiro além da Clara disse que eu valho a pena. Isso é ótimo!!
- Posso? – Elidia pediu.
- É a primeira que pede. Se conseguir me carregar, pode. – provoquei.
Ela deu um sorriso mostrando seus dentes brilhantes e me pegando pelo braço deslizou comigo até o carro.
Ok, até a baixinha conseguia me carregar. Droga! Eu ia ficar complexado por ser o mais fraco.