76 - A visita do papai
A porta se abriu suavemente e meu pai entrou. Foi com alivio que vi seu rosto pacifico. Eu não tinha me dado conta da falta que sentia dele até aquele momento.
- Pai! – murmurei, depois dei um pigarro e olhei para minha perna com meu momento sentimental.
Ele deu uma olhada em Clara, deitada do modo mais incomum no sofá e veio silenciosamente ao meu encontro.
- Ela nunca vai embora. – comentou.
- É bom vê-lo. – comentei, mais controlado.
Ele parou ao lado da cama, tão indeciso sobre como agir quanto eu.
- Fiquei preocupado. – comentou.
- Agora eu estou bem. – garanti. Olhando para o teto.
- Fico feliz por vê-lo finalmente com os olhos abertos.
Então percebi que não tinha ideia de quanto tempo estava ali.
- Há quanto tempo estão fechados?
- Hoje é sexta-feira. Você ficou apagado por algum tempo.
- Sexta? – eu não sabia nem quando tinha sido o... aquilo.
- Eles o mativeram sedado por um tempo. Você sofreu muitas lesões.
- É. Eu sei. – eu as sentia, dolorosamente.
- Teve sorte de encontrar o Dr. Buzzi. Mas ele parece tão jovem e... Bom, mas foi muita sorte. – meu pai parecia sem jeito ao se referir a beleza incomum dos Buzzi.
- Conheceu ele?
- Sim. E a irmã de Clara, Elidia. Que graçinha. – seus olhos se iluminaram.
- É verdade. – concordei, lembrando-me da baixinha vidente.
- Você não me contou que havia feito tão bons amigos em Joinville. – ele comentou, olhando para Clara.
Eu me encolhi e senti uma dor. Fiz uma careta e tentei a todo custo disfarçar. Não queria ninguém percebendo o que eu sentia.
- Onde está Solange? Onde vocês estiveram? – perguntei, tentando mudar de assunto.
- Fomos visitar uns parentes dela em Angra dos Reis, ficamos alguns dias lá para que as crianças se divertissem. Todos sentem a sua falta.
- Ah. – que droga, ele nem estava por aqui. Não havia perigo. Se eu soubesse disso antes...
- Bom, Eduardo, estamos fechando negócio para comprar outra casa, uma em Niterói, você vai adorar. Vai ter mais quartos e você terá um totalmente seu, com mais privacidade. Tem três andares, você pode ficar no ultimo e as crianças não vão te incomodar...
- Espera ai. – interrompi. Clara ainda estava com os olhos fechados, mas o corpo tenso demais para dizer que dormia. – Do que está falando? Eu vou voltar para Joinville!
- Não precisa mais. Você terá seu próprio espaço. – comentou calmamente. Eu via em seus olhos o quanto desejava que eu ficasse.
- Não quero. Eu QUERO morar em Joinville. Já me acostumei com as escolas, com novos amigos. – ele olhou para Clara novamente. – Renata precisa de mim. Ela fica tão sozinha. E afinal, descobri que gosto da chuva e das branquelas. – dei uma risadinha, lembrando-me do que havia dito para minha mãe.
Clara torceu os lábios no sofá, ainda com os olhos fechados.
- Você quer voltar? – ele olhou novamente para ela. – Por que?
- Já disse... – murmurei, irritado. – Escola, Renata... Ai. – dei de ombros e dessa vez não consegui reprimir a dor.
Meu pai me encarou preocupado, os olhos verdes de Clara dispararam para mim, reparei em como estavam escuros hoje. Ela não devia estar se alimentando.
- Eduardo, você odeia Joinville. Odeia chuva! – meu pai parecia espantado.
- Não é tão ruim. – comentei.
Ele olhou novamente para Clara e se inclinou para mim.
- É por causa dela?
- É. – admiti, contrariado. – Já teve a chance de conversar com ela?
- Sim. – ele voltou a olhar para o corpo imóvel de Clara no sofá. – Eu acho que ela está apaixonada por você. Sabe como é quando elas se apaixonam. – meu pai comentou, ele sabia que eu fugia de garotas apaixonadas como o diabo da cruz.
- Eu também acho. – meu tom era presunçoso. Eu podia sentir Clara revirando os olhos sob as pálpebras fechadas.
- É? – eu senti a pergunta oculta no tom dele.
- E acho que ela não é a única. – confidenciei, olhando para o alto, querendo que um raio me partisse naquele momento. Eu sabia que ela podia ouvir.
- Bem, ela parece ser legal e é muito bonita. – eu ouvia a admiração em sua voz. – Você tem certeza? – ele ficou inseguro. Eu sabia que ele se preocupado. Meu pai tinha realmente amado minha mãe, não queria que eu caísse na mesma armadilha que ele.
- Que isso pai. É só admiração, afinal ela é incrível. – murmurei.
Ele pareceu convencido.
- Está bem. – concordou.
Ele olhou para o relógio na parede, com um suspiro.
- Precisa ir? – perguntei.
Ele hesitou.
- Eu não sabia que você ia acordar. Preciso ajudar Solange com as crianças. – seu tom era de desculpa.
- Tudo bem. Pode ir. – meu tom era aliviado demais, eu queria conversar com a Clara novamente. – Não vou ficar sozinho. – olhei para o objeto da minha declaração.
- Eu volto logo. Hm, se cuida.
- Claro. – revirei os olhos.
- Fiquei preocupado. No estádio que você foi encontrado alguém colocou fogo num carro roubado lá na entrada. E olha que nós vemos cada coisa por aqui. – balançou a cabeça.
- É. – comentei, pensando num carro roubado e queimado.
- Volto à noite.
- Claro. – eu já queria chutá-lo para fora de uma vez.
Uma enfermeira entrou e veio checar todos os tubos e fios. Geralmente eu gostava de dar uma boa olhada nas enfermeiras, mas dessa vez eu tinha outra beldade para analisar. Meu pai saiu.
- Tudo bem? – ela perguntou à mim.
- Sim.
- Vou chamar sua enfermeira e avisar que você acordou. Ela virá vê-lo em breve.
Assim que a enfermeira saiu, Clara estava do meu lado.
- Você roubou um carro? – perguntei.
Ela sorriu, nem um pouco arrependida.
- Era um bom carro. Bem rápido.
Revirei os olhos.
- E como foi a soneca? – provoquei.
- Interessante. – seus olhos se estreitaram.