11 - Observações

 

  Renata me surpreendeu ao aparentar raiva.

 

- As pessoas desta cidade – murmurou ela. – o Dr. Buzzi é um cirurgião brilhante que provavelmente podia trabalhar em qualquer hospital do mundo, ganhando dez vezes mais o salário que ganha aqui... Sorte pela esposa dele aceitar morar numa cidade pequena. Ele é um trunfo para a comunidade, e todos os filhos são bem comportados e educados. Tive minha dúvida quando se mudaram para cá, com todos aquele filhos adotivos. Pensei que podíamos ter alguns problemas com eles. Mas todos são muito maduros... Não tive um pingo de problema com nenhum deles. Não posso dizer o mesmo dos filhos de algumas pessoas que moram nesta cidade há gerações. E eles são unidos, como deve ser uma família... Viagens de camping em fins de semana alternados... Só por que são novos aqui, as pessoas ficam falando.

 

Foi o discurso mais longo que eu já ouvi de Renata. E tive três observações:

1º Ela era defensora dos pobres e oprimidos;

2º Ela provavelmente não conhecia a esnobe Clara, senão teria mudado de posição e;

3º Ela que nem cogitasse em nos levar para passeios nos finais de semanas ou campings. Nem morto!

- Hum. Eles são bonitos. – comentei, apenas para parecer elogioso, não que estivesse mentindo. Clara era uma deusa...

- Devia ver o médico – Renata riu. Meu sensor captou o interesse. Hum minha mãe de olho nos maridos alheios? – Ainda bem que é casado. Muitas enfermeiras do hospital têm dificuldade para se concentrar no trabalho quando ele está por perto.

Terminamos de jantar em silêncio. Renata tirou a mesa e foi lavar os pratos. Assim que ela virou as costas eu voltei para meu quarto e continuei minha conversa on-line.

Enfim aquela noite foi silenciosa. Dormi tarde, exausto.

 O resto da semana foi calmo. Eu me acostumei com a rotina de minhas aulas. Na sexta-feira, conseguia reconhecer, se não pelo nome, quase todos os alunos da escola. Na educação física da minha turma, os rapazes aprenderam a me respeitar e as gatinhas a ficar me olhando. Eu jogava muito bem.

Clara Buzzi não voltou à escola.

Todo dia eu observava ansioso até os demais Buzzi entrarem no refeitório sem ela. Depois eu podia relaxar e participar da conversa do almoço. Centrava-se principalmente numa viagem ao Pirai dali a duas semanas, que Mike estava organizando, numa tentativa de ser mais popular que eu, pois perdia sua popularidade a cada dia. Fui convidado e aceitei, completamente animado com a ideia.

Na sexta-feira eu estava perfeitamente à vontade entrando na minha sala de biologia; sem me preocupar mais se Clara estava ali ou não. Pelo que eu sabia, ela tinha saído da escola. Tentei não pensar nela, mas não consegui reprimir, com agrado, a sensação de que eu fosse responsável pela sua ausência continua. Sabia que eu tinha deixado a garota caidinha. Ninguém resistia ao meu charme.

Meu primeiro final de semana em Joinville foi tranquilo, ou quase. Renata, mesmo com sua rotina formada, insistia que eu a acompanhasse em sua corrida pela cidade – na garoa. Tive que repetir mil vezes que não estava preparado para correr. Quando percebeu que eu não iria junto, ela se ofereceu para ficar em casa. Em verdadeiro terror, tentei convencê-la de que não seria necessário. Eu iria passar o dia todo no computador para matar a saudade de meus amigos – ah, que momento gay, mas pelo menos ela acreditou.

A chuva continuou branda pelo fim de semana e eu aproveitei para ficar em casa nesses dois dias.

As pessoas me cumprimentaram quando cheguei na escola na segunda de manhã.  Eu não sabia o nome de todos, mas retribui os acenos e sorri para todos – principalmente as garotas bonitas, quando jogava meu cabelo para o lado para dar um charme.