27 - Quem eu realmente gostaria de beijar.

 

 

Virei a cabeça bruscamente. Aquela garota conseguia me afetar mais do que eu gostaria de permitir. Irritado, peguei meus livros e me levantei, seguindo com o nariz empinado até a porta. Sem olhar por onde pisava, tropecei e meus livros foram ao chão. Pensei em deixá-los para trás – quem se importa com livros? Mas depois, me voltei para ajuntá-los, soaria meio covarde deixá-los para trás, como se eu fugisse dela.


E ela estava lá; já com meus livros em suas mãos. Entregou-os de cara amarrada.


- Obrigado. – respondi friamente.


- Não há de quê – retrucou ela.


Dei as costas para ela – embora desejasse ardentemente não me afastar – e fui para minha próxima aula. Em que Clara me impediu totalmente de prestar a atenção. No final da aula, Adriani me esperava na porta de minha sala.


- Ah, oi. – respondi sem animo. Clara ainda perturbava meus pensamentos.


- Hey, Edu, ainda está de pé o baile?


- Quê? – me distrai momentaneamente. Depois me recordei que aceitei ir com ela ao baile para irritar Clara. – Ah, claro.


- É, Edu – ela me chamou baixinho quando lhe dei as costas. Me voltei e encontrei Adriani corada.


- Sim? – perguntei, achando que fosse revelar que não sabia dançar ou outra coisa do tipo.


- Eu gosto muito de você. Muito mesmo. – ela olhava para os próprios pés. O que era um modo bem romântico de dizer que gosta muito de alguém, pensei com ironia.


  - Eu... – fiquei sem jeito. O que deveria responder? Notei então que Clara se aproximava. Humilhado ainda pela nossa conversa, nem hesitei. – Eu também gosto muito de você. – e peguei na mão dela, garotas gostam disso.


Ela me olhou ansiosa, com aqueles olhos azuis brilhando. Aproximei-me dela e encostei meu lábios no dela.


A resposta de Adriani me surpreendeu um pouco. Ela correspondeu meu beijo com ardor. Embora eu não o apreciasse completamente, meus sentidos obstruídos pela visão de Clara.


- Com licença. – a voz suave e musical nos interrompeu. Pude sentir a frieza naquela voz.


Me afastei de Adriani, esquecendo-a completamente quando encarei os olhos escuros de Clara.


- Posso falar com você, Edu? – ela disse de modo sedutor. Quase perdi o fôlego.


Adriani já era um passado distante.


Soltei ela instantaneamente.


- Claro.


- Hey, até sábado, Edu. – Adriani me sorriu com carinho, um sorriso que eu mal notei, e se afastou.


Meus olhos já estavam colados em Clara.


- O que você quer? – perguntei, com um tom ríspido.


Ela deu uma risadinha.


- Eduardo? – uma garota do primeiro ano se aproximou. Era morena e baixinha, com olhos verdes e cabelos castanhos e cacheados.


- Sim. – me voltei para ela. Hoje era o dia!


- Ei pensei em falar com você, mas está ocupado... então deixa. – ela recuou ao ver Clara.


- Não. Não. Eu já estava indo mesmo. – Clara tinha o tom levemente suave.


E sumiu no corredor tão rápido como só ela poderia fazer.


Contra minha vontade, olhei para a garota.


- Eu queria saber se já vai com alguém ao baile?


- Sim. – respondi, um pouco mal educado. A presença de Clara me irritava.


- Oh. Ok. – e a garota também me deu as costas, andando pelo corredor. Não pude deixar de comparar, ela parecia desajeitada se comparado com os passos suaves de Clara, e ela ficava feia enquanto me lembrava do rosto inumano de Clara. E – tinha que admitir – depois de conhecer Clara, acho que vou ser muito mais criterioso em meus padrões de beleza.


Voltei para casa me xingando baixinho. Eu era um completo retardado por pensar em Clara, a esnobe, daquele modo. Eu não passava de um machista...


Trinquei os dentes.


Passei a tarde toda remoendo o que tinha acontecido. O lado bom era que após tanto tempo nessa cidade chuvosa eu tinha dado um beijo em alguém. O lado péssimo era que esse alguém não chegava nem perto de quem eu realmente gostaria de beijar.


Droga!


A Clara esnobe, perfeita, divina e que segura vans com as próprias mãos!


 Droga! Droga! Droga!