77 - Impasse

 

 

- O que? – perguntei.

Ela olhou para baixo ao responder.

- Estou surpresa. Achei que queria voltar para o Rio. O calor... Não pensei que... Bom, achei que era isso que você queria.

Eu a fitei, sem entender.

- E como você ficaria? Teria que sair apenas a noite, como uma vampira de verdade! – fiz uma expressão horrorizada.

Ela quase sorriu. Seu rosto logo ficou grave.

- Eu ficaria em Joinville, ou outro lugar. Bem longe, para nunca mais machucar você.

No inicio eu não compreendi o que ela estava falando. Eu estava meio confuso pela pancada e pelos remédios. Era estranho levar tanto tempo para compreender o que ela falava.

Mas a compreensão foi caindo sobre mim. E com horror percebi o que ela falava. Eu queria gritar para que não me abandonasse.

Ela não podia me abandonar. Por Deus, como eu viveria sem ela? Como ela poderia pensar nisso?

Acalme-se Eduardo. Ou vai começar a agir como um namorado histérico. Acalme-se.

Eu não consigo! EU NÃO CONSIGO! A ideia de me imaginar, só o mínimo pensamento de estar sem ela me quebrava de um modo que eu não podia admitir. De modo algum.

Outra enfermeira entrou decidida no quarto. Clara se sentou como uma pedra, enquanto a enfermeira analisava minha expressão com olhos experientes. Tentei botar um ar ameno ou será que ela podia ver o pânico tanto quanto eu o sentia gritando dentro de mim?

- Hora dos analgésicos, querido? – perguntou, gentilmente.

- NÃO! – a agonia estava presente em minha voz. – Eu não preciso. Não estou sentindo nada. – tentei soar bem, mas eu parecia péssimo. Eu me sentia péssimo.

- Não precisa ser corajoso, você precisa descansar.

Ela esperou, eu apenas neguei veementemente com a cabeça.

- Tudo bem. Toque a campainha quando precisar.

Ela lançou um olhar ansioso para Clara e para a aparelhagem antes de se retirar.

As mãos frias estavam em meu rosto. Eu a fitei com os olhos arregalados. Eu não conseguia me controlar, não podia diante dessa aterrorizante ideia.

- Sh, Edu, acalme-se.

- Não me deixe. – pedi. Argh, eu soei como uma garotinha implorando para não ser abandonada pelo namorado.

Argh. Argh.

Eduardo, como pode fazer isso?

Cala a boca, me irritei comigo mesmo, ela é importante demais.

- Não vou. – prometeu ela. – Agora fique calmo antes que eu chame a enfermeira para sedá-lo.

Meu coração se acelerou, eu revirei os olhos.

- Delatado pelo próprio coração.

Ela deu uma risadinha suave.

- Relaxe, machista, eu não vou a lugar nenhum. Ficarei ao seu lado pelo tempo que precisar de mim.

- Ah. Argh. Eu... eu estou sob o efeito de medicamento ok? Mas prometa que não vai me deixar? – sussurrei, ansioso.

- Eu juro.

Ela ficou afagando minha testa com as mãos frias, enquanto eu sentia que minha dolorosa respiração ia se normalizando e o bipe do coração voltava ao normal.

- Melhor? – perguntou ela.

- Sim. Mas por que você disse isso? Quer que eu vá embora? – não podia perguntar se ela não me queria mais, morreria imediatamente se a resposta fosse positiva.

- Eu não quero ficar sem você, Eduardo. Seja razoável. O que me incomoda é saber que eu o coloquei em perigo. Que por mim você está aqui. Embora deva dizer que é um prazer salvá-lo.

Fiz uma carranca.

- Imagino.

- Mas essa não é a pior parte. Ver você quebrado e maltratado... – a voz dela estremeceu. – Nem imaginar que poderia perdê-lo. O pior foi o medo de não conseguir parar. De pensar que eu mesma iria matá-lo.  

- Mas não matou. – lembrei.

- E foi por pouco.

- Então, ah... Hã, sedado ainda ok? Prometa que não vai embora?

- Já que não posso viver sem esse machista esnobe. E se você prefere arriscar assim a sua vida. Tudo bem.

- Que bom. Você me disse como parou, agora eu quero saber por que fez isso? – meu tom era exigente.

- Por que? – ela repetiu, cautelosamente.

- Por que? Se não tivesse parado eu seria como você!

Seus olhos se endureceram imediatamente e ela olhou para cima. Lembrei-me que Clara não queria que eu soubesse disso. Bom, a anãzinha vidente teria que lidar com isso mais tarde. Eu queria a minha resposta.

E Clara não iria dar.

- Clara, escute, não sou um perito em relacionamentos, mas acho que isso de eu ser o mais fraco não vai ser legal. Temos que ter a mesma força. Na verdade, eu deveria ser mais forte. Não pode ser sempre você me salvando! – protestei.

Ela cruzou os braços, o rosto tranquilo. A raiva refreada. Parecia que não era dirigida a mim. Tudo bem, Elidia que se vire com ela.

- Você já me salvou. – disse ela baixinho.

- Não posso ser o marido da mulher maravilha! Eu quero me sentir o super-homem! – resmunguei.

- Não sabe do que está falando.

- Acho que sei. – protestei, teimoso.

- Não sabe. Tive quase noventa anos para pensar nisso e ainda não tenho certeza.

- Preferia não ter sido salva?

- Eu já estava morrendo. Mas não faria isso com você. Não acabaria com a sua vida.

- Clara você é minha vida agora. Viu? Droga! Eu sendo meloso assim. Não sabe o milagre que você está conseguindo?

- Ainda assim, e a dor? – ela provocou.

Eu hesitei por uns instantes.

- É problema meu. Três dias não é nada!

Clara deu um sorrisinho malicioso quando eu demonstrei que sabia mais do que devia. Elidia estava com problemas.

- Não vou acabar com a sua vida. – ela foi direta.

- Eu vou morrer um dia. Você sabe disso.

- Sei. Ainda assim não vou condená-lo a essa vida. – ela era muito teimosa.

Eu podia ser mais.

- Tudo bem, não é a única vampira que eu conheço.

- Elidia não faria isso! – seu rosto ficou tão ameaçador que eu sabia que ninguém iria desafiá-la. Eu mesmo não sei como consegui.

- Ela já viu que serei como você. É por isso que o que ela diz te irrita. Você sabe que um dia eu serei assim.

- Elidia já viu você morrendo e isso não aconteceu. – ela comentou.

- Não vou apostar contra ela.

Nos encaramos por um longo tempo.

- E aonde isso nos leva? – perguntei-me.

- Acho que o nome disso é impasse.

Suspirei. Doeu. Fiz uma careta.

- Vou chamar a enfermeira. Você precisa descansar para se recuperar.

Meu coração se acelerou, eu tinha medo de dormir e não encontrá-la novamente – como num lindo sonho que se esvai.

- Fique! – implorei, agoniado.

- Ficarei. – prometeu, beijando minha testa.

- Clara?

- Sim.

- Eu aposto na Elidia.

E a enfermeira entrou para me sedar ainda mais...