73 - O Encontro com O Rastreador

 

 

Quando virei a esquina e vi o estádio se erguendo imponente e ameaçador, diminui o ritmo, vencido pelo cansaço e pelo medo. A única coisa que me fez manter um pé na frente do outro foi meu pai. Eu tinha que fazer isso por ele.

Ao me aproximar, desejei que houvesse alguém por ali, mas depois reprimi o pensamento covarde. Afinal, eu era um homem, não um rato. Passei pela entrada e caminhei entre as arquibancadas, seguindo em direção a onde me lembrava ser o vestiário.

Assim que eu entrei, no ambiente mal iluminado, as cortinas fechadas, o terror me agarrou com força. Lutando contra ele, dei mais um passo – ouvindo meu coração batendo como uma garotinha histérica em meu peito. Tive vontade de bater nele por ficar me dedurando desse modo.

Mas eu estava realmente com medo.

E então ouvi meu pai me chamar.

- Eduardo?

Sem nem pensar, aliviado ao ouvir a voz dele, ao saber que estava vivo, que não encontraria seu corpo exangue no chão do vestiário, corri em direção ao som, seguindo para o corredor e entrando na maior sala.

- Meu garotão, como você pode fazer isso comigo? Você pode ser corajoso, mas não seja burro.

Sem compreender, procurei pelo som.

- Eu sei, papai. – respondi com uma voz infantil, me virei em direção ao som, era um vídeo meu, num treino de futebol. Eu havia tentado me exibir e quase quebrei a perna naquele dia.

E então a tela ficou azul.

Virei-me lentamente. Ela estava bloqueando minha saída, um controle remoto em sua mão. Os cabelos ruivos ondulando assustadoramente. Nos olhamos por muito tempo, até que ela sorriu.

- Desculpe, Eduardo. Mas não acha bom que seu pai não esteja envolvido nisso? – perguntou, o tom perigosamente suave.

Finalmente eu entendi. Meu pai, Solange e as crianças estavam seguras. Onde eu não tinha ideia. Mas eles nunca tiveram que encarar os olhos escuros e doentio que eu tinha diante de mim. Nunca se apavoraram com o rosto anormalmente pálido.

- Diabos. Eu nem me acredito. – eu estava aliviado quando me expressei. Meu pai estava seguro. Solange também e até, bem, aquela pirralhada.

- Está irritado por que te enganei? – perguntou, provavelmente era parte do seu joguinho. Eu não me importava. Todos estavam bem. Apenas eu iria pagar por ter ficado com a garota mais gata da escola (garota dependendo do ponto de vista, óbvio).

Eu podia suportar aquilo.

- Claro que estou. Muito furioso. Mas ainda estou feliz que ninguém foi envolvido. – comentei com sinceridade, o tipo de sinceridade desconcertante, ninguém gosta quando eu a uso.

- Estranho. Vocês humanos são realmente muito estranhos. Acho que por isso que alguns sentem uma atração tão grande por vocês. Alguns são tão egoístas e sinceros que surpreendem.

Ela estava parada a pouco distancia de mim, não havia nada ameaçador em seu rosto e seu corpo. Era de uma estatura mediana, comum demais, apenas a pele branca, as olheiras e a cor dos olhos demonstravam o que ela era de fato. Vestia uma blusa azul comprida e um jeans gasto.

- Imagino que vá dizer que sua namorada me vingará. – comentou, com esperança, ao que me pareceu.

- Não. Não preciso que mulher me vingue. – haha, eu tinha que manter a pose de machão até o final. Eu não existo.

- Eu discordo. Afinal, isso acabou sendo fácil demais. Achei que seria um pouco mais difícil entende. Mas só precisei de um pouco de sorte.

Esperei, em silencio.

- Quando pedi para Julio capturar sua mãe, ela não conseguiu. Pedi que descobrisse mais sobre você. Ele conseguiu o endereço do seu pai. Ouvi dizer que você viria para casa. No começo não acreditei. Mas os humanos são tão previsíveis, gostam de se esconder em locais conhecidos. E, seria a trama perfeita, ir para o local onde disse que estaria, sabendo que eu não acreditaria nisso.

E então continuou:

- Mas eu não tinha certeza. Foi apenas um pressentimento. Tenho um sexto sentido para com minhas presas. Fui para a casa de seu pai e encontrei seu recado. O que foi ótimo. Mas ainda não significava muito sobre seu paradeiro. O bom foi que você deixou um numero para que eu pudesse ligar. O jogo não daria certo se você estivesse em outro lugar. Então Julio me contou que sua namorada pegou um avião para o Rio. Era tudo que eu precisava para saber sobre seu paradeiro. Em um jogo com tantos adversários não se pode ficar sozinha. Foi muito fácil. Tão fácil que eu prefiro ter que lutar com sua namoradinha, Clara não é?

Eu fiquei em silencio. Irritado. Queria atacá-la, mas já sabia o suficiente para perceber que eu era o humano e frágil ali. As coisas acabaram, mas ela não se contentaria em apenas acabar comigo.

- Se importa se eu deixar algo meu para sua Clara?

Ela deu um passo para trás e pegou uma câmera digital, mal equilibrada em algumas caixas de equipamentos esportivos. A luz vermelha indicava que já estava filmando.

- Eu acho que se deixar isso para ela, ela não vai resistir em uma vingança. Desculpe, você é apenas o humano que estava no lugar errado e na hora errada, e andando com a turma errada, devo acrescentar. – ela riu docemente.

Deu um passo em minha direção, pronta para começar... e eu pronto para terminar.

- Antes de começarmos...

Senti uma onda de raiva e... argh, medo.

- Gostaria de ressaltar isso só um pouquinho. Não queria que Clara visse e estragasse minha diversão. Já aconteceu uma vez, ah séculos atrás. A única vez que uma presa escapou de mim. O velho estúpido tomou a decisão que sua Clara não teve coragem de tomar com você. Eu não entendo como alguns vampiros podem ter essa obsessão por vocês, humanos. Mas ele transformou ela quando soube que eu a queria. Ela mal sentiu a dor, pobre criaturinha, vivia tanto tempo naquele buraco. Um século antes e ela teria sido queimada na fogueira por suas visões. Naquela época era o sanatório e tratamento de choque. Não havia mais sentido para mim tocar ela, era jovem e forte. Já o velho que a transformou eu matei, por vingança.

- Elidia. – percebi, atônito.

- Sim. Fiquei realmente surpresa ao vê-la lá. Espero que o bando se conforme, peguei você, mas eles ficaram com ela, a única presa que me escapou. Ainda me arrependo por não ter provado o sangue dela. Tinha um cheiro tão delicioso. Não que o seu seja ruim. Mas o dela era muito, muito melhor.

Achei que mais um pouco e ela estaria babando com a lembrança.

Ela se aproximou de mim, seu dedo frio tocando meu pescoço – não era nem um pouco parecido com o toque de Clara. Senti nojo. Eu queria correr, mas de algum modo meus olhos estavam colados aos dela.

- Não. – comentou. – Tem alguma coisa errada. Imagino que devemos continuar com isso. Mas...

Ela se afastou e começou a andar em círculos, pensando. Até que ela se agachou – nada parecida com a brincadeira de Clara – e eu tentei correr nesse momento. Num átimo ela me jogava contra o espelho num lado da parede. O vidro se estilhaçou e me cortou em vários pontos. Passei a mão na cabeça e sangrava profusamente.

Senti uma falta de ar e uma dor excruciante. Tentei fugir, engatinhando mesmo. Era humilhante, admito, mas não tanto quanto ser morto por uma mulher.

- Isso está ficando lindo no vídeo.

Eu a ignorei, até que ela veio até mim e pisou em minha perna. O barulho nauseante de osso quebrando não foi pior do que a dor que eu senti. Ela se baixou, a filmadora em sua mão.

- Peça para sua namorada me salvar.

- Não. – eu seria teimoso até na hora de morrer.

Foi então que o sangue em minha cabeça deixou o rastreador totalmente alterado. Ela não podia resistir a sede, e então, com um ultimo esforço, ergui minha mão para proteger meu rosto.

E ninguém podia me preparar para a terrível dor que senti.