53 - Esperando

 

 

 

Na luz do sol, Clara era chocante. Eu não conseguia me acostumar com aquilo, embora tivesse olhado para ela a tarde toda. Sua pele branca, apesar do rubor fraco da viagem de caça da véspera, literalmente faiscava, como se milhares de diamantes pequeninos estivessem incrustados na superfície.

Ela se deitou completamente imóvel na relva, e eu fiquei admirando seu corpo escultural e perfeito. Seus olhos estavam fechados e ela movia os lábios rapidamente – disse-me que cantava, baixinho demais para meus ouvidos, quando lhe perguntei.

Estendi minha mão e segurei a dela, sentindo-me um tolo. Mas eu parecia meio romântico, sabe, segurando a mão dela. E pela primeira vez não me importei.

Eu queria mostrar a ela como me sentia.

Passei meus dedos por sua pele marmórea, pálida e dura. Ela era incrível. Eu ainda não conseguia me acostumar com tamanha beleza.

- Eu não assusto você? – perguntou ela, brincalhona.

Ergui minha cabeça e notei que ela me encarava, os olhos verdes claríssimos brilhavam de um modo intenso.

- Nunca me assusta. – comentei, no meu estilo machista. Ela riu.

Comecei a deslizar minha mão pelo seus braços, sabendo que eu estava a beira de parecer um tonto romântico.

E o que mais me surpreendia: eu não me importava.

- Se importa? – perguntei, quando notei que ela fechou os olhos novamente.

- Não. – disse ela sem abrir os olhos. – Nem imagina como é. – ela suspirou.

Com minha outra mão, virei a palma da mão dela. Percebendo o que eu queria, ela virou a mão naqueles seus movimentos ofuscantes de tão rápidos e desconcertantes. Isso me sobressaltou; congelei por um breve segundo, sentindo-me uma menininha medrosa.

- Desculpe. – murmurou ela. – É muito fácil ser eu mesma com você.

- Que bom. Isso significa que eu a conquistei?

Tão rapidamente que perdi seu movimento, ela estava quase sentada, apoiada no braço direito, a palma esquerda ainda na minha mão. Seu rosto de anjo estava a centímetros do meu.

- Acha que eu seria tão louca? – ela então piscou para mim.

Isso mesmo, ela piscou, com um sorrisinho. Notei que estava brincando comigo.

Senti seu hálito frio em meu rosto. Doce, delicioso, o aroma me dava água na boca. Era diferente de tudo que eu conhecia. Instintivamente, sem pensar, cheguei mais perto, inspirando.

E ela se foi, a mão arrancada de mim. Quando consegui colocar os olhos em foco, ela estava a uns cinco metros de distancia, parada na beira da campina pequena. Ela me encarava, os olhos escuros nas sombras, a expressão indecifrável.

Eu podia sentir o choque no meu rosto.

- Desculpe... Clara. – sussurrei. Sabia que ela podia ouvir.

- Me dê um minuto. – disse ela, alto o suficiente para que meus ouvidos menos sensíveis. Fiquei sentado, imóvel.

Eu não me sentia uma menininha por obedecer. Podia ver nos olhos dela que precisava daquele momento, e não era louco para desobedecê-la.

Pode não parecer, mas gosto da minha vida.

Depois de dez segundos, incrivelmente longos, ela voltou, devagar para ela. Parou, ainda longe, e afundou graciosamente no chão, cruzando as pernas. Os olhos não deixavam os meus. Ela respirou fundo duas vezes e depois sorriu, desculpando-se.

- Lamento muito. – ela hesitou. – Você entenderia se eu dissesse que fui apenas humana?

Não.

Mas assenti, sem conseguir sorrir para ela. Ela sentiu o meu medo. Seu sorriso ficou debochado.

- Sou a melhor predadora do mundo não sou? Tudo em mim é convidativo para você... minha voz, meu rosto, até meu cheiro. Como se eu precisasse disso! – Inesperadamente ela estava de pé, afastando-se num salto, de imediato fora de vista, aparecendo debaixo da mesma arvore de antes, depois de contornar a campina em meio segundo. – Como se você pudesse ser mais rápido que eu. – ela riu amargamente.

Ela estendeu a mão e, com um estalo ensurdecedor, quebrou sem esforço um galho de sessenta centímetros de espessura do tronco de um abeto. Balançou-o na mão por um segundo e depois o atirou numa velocidade ofuscante, espatifando-o numa árvore enorme, que sacudiu e tremeu com o golpe.

E ela estava na minha frente de novo, parando a meio metro, ainda como uma pedra.

- Como se pudesse lutar comigo. – disse delicadamente, mas havia perigo em seus olhos.

Fiquei sentado, aterrorizado, como nunca havia me sentido em minha vida. Esperei pelo momento em que iria morrer. Em que uma garota iria me matar.

Pelo menos era uma bela garota, pensei, esperando morrer a qualquer momento.

Tão rápido que talvez eu nem perceberia.