52 - Caminhada

 

 

Clara dirigiu em silêncio por algum tempo. Rapidamente tínhamos nos afastado da civilização, a cidade cedera espaço a uma grossa vegetação rasteira e árvores.

- Para onde vamos. – perguntei.

- Num lugar que eu gosto de ficar quando o dia está bom. Ninguém me encontra lá.

Lembrando-me de sua promessa de me mostrar o que queria dizer com o sol, olhei para o céu, as nuvens eram finas e logo o sol transpassaria elas. Mas ainda era cedo demais para isso.

Cedo até para mim estar acordado num sábado. Era algo que só a Clara conseguiria de mim.

Depois ela saiu da rodovia e estacionou o volvo próximo a uma trilha. Desci do carro. Percebi que ela já tinha descido também e se encaminhava para outro lado – longe da trilha.

- Não vamos usar a trilha? – perguntei, um pouco ansioso, não queria ficar perdido no meio do mato.

- Não. – ela respondeu.

- Vamos andar? – pergunta tosca, tinha que ter saído da minha boca.

- Não se preocupe, são só uns oito quilômetros e não vamos correr.

Oito quilômetros. oito quilômetros. Por Deus, será que ela esqueceu que sou apenas humano?

Para não parecer covarde, sorri, assentindo com a ideia.

- Vamos? – chamei, um pouco arrogante, como se ela estivesse nos atrasando.

Clara deu uma risadinha e seguiu para a floresta.

Não foi tão difícil. A maior parte do caminho era plana e Clara estava empurrando as samambaias e teias de musgos para o lado a fim de facilitar a minha passagem.

Queria reclamar contra aquilo. Mas achei que realmente era bom uma ajuda. Quando o caminho nos levava para troncos caídos e pedregulhos, ela parava para me esperar – sabendo que se oferecesse ajuda eu me irritaria.

Tentei o máximo desviar os olhos de sua perfeição, mas sempre escorregava. A cada vez, sua beleza me parecia mais extraordinária.

Na maior parte do tempo andamos em silêncio. De vez em quando ela me fazia uma pergunta qualquer. Ela ria mais alto do que eu estava acostumado – o tinido do eco voltando para nós no bosque vazio.

A caminhada nos tomou a maior parte da manhã, mas ela não demonstrava nenhum sinal de impaciência. A floresta se espalhava a nossa volta. Ela estava perfeitamente à vontade, confortável no labirinto verde, sem jamais aparentar nenhuma duvida quanto à direção que tomávamos.

Depois de algumas horas, a luz que se infiltrava pelas copas das árvores se transformou, o tom verde-oliva escuro passando para um jade claro. O dia ficara ensolarado, assim como ela previra.

Senti um arrepio de excitação.

- Está vendo aquela claridade ali? – ela perguntou.

Olhei a floresta densa.

- Hmm, deveria ver?

Ela deu um sorriso malicioso.

- Talvez seja cedo demais para seus olhos.

- Exibida. – resmunguei. Seu sorriso se tornou mais pronunciado.

Mas, depois de uns cem metros, pude ver nitidamente um clarão nas árvores adiante, um brilho que era amarelo e não verde. Acelerei o ritmo, minha ansiedade aumentando a cada passo.

Cheguei a beira e passei por cima da última franja de samambaias, entrando numa campina. Ela era perfeitamente redonda e cheia de flores silvestres. O sol estava a pino, enchendo o circulo de uma névoa de luz cor de manteiga.

Andei devagar, sabendo que aquele local combinava perfeitamente com a Clara. Lancei um olhar para trás, mas ela não estava onde pensei que estivesse. Por fim, localizei Clara, ainda sobre a sombra densa da floresta, observando-me com olhos cautelosos.

Era hora de desvendar o enigma de Clara e o sol.

Dei um passo na direção dela, meus olhos brilhando de curiosidade. Os olhos dela eram cautelosos e relutantes. Sorri para encorajá-la e acenei para ela.

            Clara pareceu respirar fundo e entrou no brilho intenso do sol de meio-dia.