70 - "Conhece esse lugar?"

 

- Carlos. – a pessoa falou antes. – Sim eu vi. – ela explicou sua visão. Sua fala tão rápida que eu não entendia. Até que olhou para mim. – Eduardo? – me ofereceu o telefone, fui atender, agitado.
- Alô?
- Eduardo. – disse Clara.
- Ah, Clara. Como você está? Estive tão preocupado!
- Edu, Edu. Não tem que se preocupar comigo. Eu estou bem.
- O que você vai fazer?
- Nós a perdemos. Ela parece ter cuidado de ficar longe de nós. Pegou um avião e eu não pude ler seus pensamentos. Não sei para onde vai. Acreditamos que está voltando para Joinville.
- Eu sei. Elidia viu algo.
- Esther está com sua mãe. O homem esteve na cidade. Parece estar procurando pistas. Vamos voltar para Joinville também, achamos que o rastreador foi para lá. Se ela se aproximar nós a pegaremos.
- Estou com saudade. – sussurrei, virando o rosto para não ver Elidia e Joaquim.
- Eu sei Edu. Eu também estou com saudades. Queria muito que você acreditasse que te amo depois de tudo que fiz.
- Eu acredito. E... – hesitei. – eu sinto o mesmo. – confessei, envergonhado.
- Encontrarei você em breve.
- Vou esperar.
Assim que desliguei o telefone, Elidia estava ao meu lado para recebê-lo. Entreguei a ela sem olhar em seu rosto. Os dois voltaram a se sentar, e Elidia começou a desenhar numa folha do hotel. Desenhava tão rápido que sua mão era um borrão na folha. Dei uma espiada por cima e reconheci.
- Isso é um vestiário? – perguntei, reconhecendo aquelas formas. Eles me olharam, confusos. – Vestiário de um estádio. De futebol. – comentei, para que eles entendessem.
Os dois pareciam congelados.
- Conhece esse lugar? – Joaquim me perguntou, uma calma um tanto forçada em sua voz.
- Ah, sei lá. Parece um vestiário. Mas devem ser todos iguais não é? – olhei Elidia incrementando o desenho com o que conseguia ver em sua visão. – Os pisos por todos os lados, esse brilho aqui deve ser dos espelhos, que ficam na parede. Isso que ela desenhou aqui parece um banco onde nos sentamos.
- Você teria algum motivo para ir lá agora?
- Não. Acho que não. Até eu me mudar eu treinava futebol todos os dias ali. Eu gostava muito. Queria ser jogador. Até que parei naquele fim de mundo e virei uma presa indefesa, correndo do predador e não para a bola. – dei de ombros, mau humorado.
- Então há como relacionar você com esse lugar? – perguntou Elidia.
- Provavelmente. Devem ter meus registros ali e tudo.
- Onde ficava esse estádio? – perguntou Joaquim numa voz despreocupada.
- Bem perto da casa do meu pai. Eu costumava ir a pé de casa para lá... – e minha voz falhou, sentindo o perigo. Se aquela rastreadora estava perto da minha casa, se ela sentisse me cheiro talvez ainda existente na casa? Se encontrasse meu pai? Solange e seus filhos?
- Aqui no Rio então? – a voz dele ainda era despreocupada.
- Sim. – sussurrei, minha imaginação longe dali. No que aconteceria se ela entrasse em minha casa, meu pai...
Todos nos sentamos, em silencio, olhando o desenho.
- Elidia, esse telefone é seguro?
- Sim. – me garantiu – o número é identificado como de Salvador.
- Então posso ligar para meu pai. – eu tinha que pedir que ele saísse de casa imediatamente.
- Joaquim? – perguntou Elidia.
Ele pensou no assunto.
- Não acho que exista algum perigo nisso. É melhor você garantir que seu pai esteja longe de casa mesmo. Ligue depressa. E não diga onde estamos.
Peguei o telefone ansioso e disquei o numero tão conhecido. Tocou e tocou, até que caiu na caixa de mensagem – aquilo foi um breve alivio.
- Pai. – disse após o sinal. – Sou eu. E eu estou bem. Só quero que você não fique em casa tudo bem? – meu Deus, como eu ia protegê-lo? – Leve Solange e as crianças para um passeio longe de casa. Eu estou bem. Qualquer coisa me liga... – Elidia escreveu o numero numa folha e eu repeti duas vezes. – Então é isso. Hã, tchau.
- E se ele chegar antes de ver o recado? – Joaquim perguntou.
- Ele sempre checa os recados do trabalho. Solange faz o mesmo. Um modo deles marcarem encontros sem precisar gastar com ligação.
- Não podemos fazer mais nada por eles. Só esperar.
E a imortalidade dava um paciência danada. Por que os dois ficaram sentados, atentos, ou fingindo, à televisão. Cansado daquela tensão toda eu me arrastei para o quarto – seguido por Elidia – e adormecia assim que me larguei na cama.