59 - Os Buzzi

 

Logo depois desci correndo as escadas. Jeans e uma blusa. Era difícil decidir o que vestir para conhecer a família de vampiros de sua namorada vampira.

Do nada ela estava diante de mim. Esbarrei nela e foi como bater num muro, mesmo assim eu adorei. Passei meus braços em volta dela, procurando por seus lábios. Eu não conseguia passar muito tempo longe dela.

Ela me afastou.

- Preparado? – perguntou com um sorriso.

- Nem um pouco. – resmunguei. – Vamos lá. Sabe, se o seu pai for contra esse namoro acho que eu vou estar morto não é? Literalmente. – rosnei, o pavor de todo o garoto: conhecer os sogros.

Pior ainda quando eles são terrivelmente mais fortes e letais.

- Não se preocupe. Eu te protejo.

Fiz uma careta.

- Não preciso de proteção.

- Machista. – ela resmungou, me puxando para fora.

Seu lindo carro prateado estava estacionado do outro lado da rua. Abri a porta e sentei – ela já estava lá. Eu não sabia onde ela morava. Então prestei muita atenção no caminho. Ela se afastou da cidade. Entrou numa rua de chão, a floresta serpenteando nosso caminho. Depois, numa entrada mal discernível ela virou. Seguindo vários quilômetros.

E uma enorme clareira surgiu. Duas imensas arvores, centenárias, faziam sombras com seus enormes galhos. E uma casa simplesmente encantadora no meio. Ela era clara, e cheia de vidro.

Fiquei surpreendido.

- Ow! E o castelo cheio de calabouços? – comentei.

- Não era isso que você esperava? – ela sorriu. E já estava ao lado da minha porta.

Eu a abri.

- Não me ajude! – rosnei.

- Vamos. – ela puxou minha mão.

Clara abriu a porta.

O interior da casa era mais impressionante que seu exterior. Tão clara, tão aberta, muito grande e limpo. A parede de trás era de vidro e dava para o sul, podia ver o rio correndo. Uma enorme escada em curva no lado oeste da enorme sala. As paredes, o teto de vigas altas, o piso de madeira e os tapetes grossos eram de tons variados de branco.

Parecia uma antiga casa que fora reformada.

Esperando para nos receber, um pouco afastados, no meio da sala, estavam os pais de Clara.

Eu já tinha visto o Dr. Buzzi na minha passagem pelo hospital. Ele era lindo demais, claro. Era meio gay admitir, mas eu não era cego. O cara era perfeito. Louro e incrível. Eu nunca iria me incomodar com a imortalidade se eu ficasse assim, incrível como eles.

Ao lado dele, estava a única integrante da família dela que eu não conhecia. Esther. Seu rosto em forma de coração, era tão belo quanto os dos outros, só que ela tinha algo maternal em si, em seu corpo um pouco mais arredondado.

Eles sorriram para mim, mas não se aproximaram.

- Carlos, Esther, esse é Eduardo. – Clara apresentou, com sua voz belíssima.

- É muito bem-vindo aqui, Eduardo. – Dr. Carlos se aproximou de mim com uma lentidão impressionante.

Fiquei irritado com aquela preocupação toda. O único lado bom era que eles pareciam gostar de mim, já que não queriam me assustar.

- É bom revê-lo, doutor.

- Me chame apenas de Carlos. – ele parecia simpático demais. Fiquei aliviado.

Eu me sentia bem entre eles.

Clara parecia me observar atentamente, a qual é? Será que ela achou que eu fosse correr e gritar?

Esther sorriu e se aproximou também, estendendo a mão para mim.

- É muito bom conhecê-lo.

- Obrigado. Também estou feliz em conhecê-los. – olhei para os dois, animado. Eu era parte daquela incrível família agora,  e eu estava com a garota mais bonita.

E quem sabe, um dia, eu seria o parceiro dela, tão bonito quanto os outros homens da casa. Eu iria parar com qualquer transito – mais do que já paro, aliás.

- Onde estão Elidia e Joaquim? – perguntou Clara.

Ninguém respondeu, eles surgiram ao pé da escada.

- Oi, Clara! – gritou Elidia.

Num átimo ela estava diante de nós. O olhar de Clara era zangado. Elidia olhou para mim. Todos pareciam congelados, menos eu. Fiquei feliz com a recepção dela.

- Oi, Eduardo! – ela me abraçou. Claro que amei aquele abraço. Ela também era muito bonita. – Nunca tinha reparado que seu cheiro é bom!

Clara parecia pronta a cuspir fogo. Seus pais estavam com os olhos arregalados. Eu sorri.

- Deve ser meu perfume! – brinquei.

Todos deram risadinhas tensas com minha piadinha, mas o ambiente ficou mais leve depois disso.

Então Joaquim estava ali, alto e leonino. Uma sensação de tranquilidade tomou conta do ambiente. Clara encarou o irmão. Percebi que Joaquim fazia aquilo que ele podia fazer.

- Olá, Eduardo. – disse ele, mantendo distancia.

- Oi. – dei um sorriso para ele.

- Obrigada. – disse Esther. – Ficamos felizes por ter vindo. – ela falou com sentimento, parecia me achar corajoso.

Eu sorri para ela. Queria dar uma resposta engraçadinha tipo: “não iria perder de estar no covil dos vampiros”. Mas como eu estava mesmo no covil eu precisava me comportar. Guardei silencio.

A expressão de Carlos me distraiu por um momento. Ele olhava para Clara, e percebi que estavam conversando. Olhei para o lado e descobri um piano de cauda. Esther notou meu olhar.

- Você toca?

- Não. – respondi. Piano, argh, nunca que eu tocaria isso. Um instrumento clássico. Argh!

- Clara toca. Quer ouvir? – Esther comentou.

- Ela toca? – eu devia ter imaginado. Perfeita para variar. Bom, agora fiquei interessado em ouvir o maldito piano clássico.

- Vamos, mostre a ele. – Esther deu um empurrãozinho em Clara. Ela me pegou pela mão e me puxou para ficar ao lado dela.

Ela me lançou um longo olhar, antes de olhar para o piano. E seus dedos começaram a deslizar, velozes. A sala se encheu de uma composição complexa, luxuriante.  Era impossível que apenas um par de mãos o tocava. Senti meu queixo cair. De repente, eu estava me tornando o maior fã de piano.

Ouvi risinhos baixos atrás de mim.

Ótimo. Eu estava fazendo a alegria dos vampiros!

- Gostou? – ela deu uma piscadela.

- Você compôs? – percebi.

Ela assentiu.

- É a preferida de Esther.

A música começou a ficar mais pesada. Mais rápida. Arrogante eu diria. Pairando com imponência pelo ambiente.

- Você me inspirou nessa.

Ah, maravilha. Eu inspiro musica pesada e arrogante. Que bom que ela me vê assim.

- Eles gostam de você. Especialmente Esther.

Olhei para trás, estávamos sozinhos.

- Aonde eles foram?

- Deram-nos privacidade.

- Hmm. Onde estão Edvandro e Etelvina?

- Eles... – Clara hesitou.

- Não gostam de mim. Tudo bem. Pode falar. Eu não sou uma menininha. Para de me tratar assim.

- Tudo bem então. Etelvina não gosta de você aqui! Evandro só está seguindo ela. Pronto, machão. Alguém não gosta da sua presença.

Ah, coitado do meu ego. Essa tinha sido profunda.

- E por que isso? – perguntei.

- Você é humano. Ela queria ser humana.

- Joaquim?

- Eu pedi para ficar afastado. Ele é o mais novo vegetariano. Tem um pouco de dificuldade. Só por garantia.

Senti um arrepio. Mas disfarcei.

 - Você ainda me considera um frangote?

- Para mim sempre será um. – ela sorriu.

Eu me irritei.

- E seus pais? – mudei de assunto, antes que brigássemos em sua casa.

- Eles estão felizes por que estou feliz.

- Elidia parece muito animada...

- Ela tem um jeito incomum de ver as coisas. – sua voz saiu dura. Fiquei me perguntando qual seria o problema.

Lembrei-me da conversa.

- O que foi que Carlos lhe disse?

- Você notou... – ela parecia encantada com isso. – Ele não tinha certeza se eu iria lhe contar isso. Mas acho que o machão pode aguentar. Existem alguns do nossos, não como nós, de passagem. Estão curiosos conosco e claro, vou ser uma namorada muito cuidadosa.

- Hmm, cuidadosa? – eu me aproximei dela. – Tipo, coladinha comigo? – meu rosto a centímetros do dela.

- Estou falando em vampiros que bebem sangue humano e você querendo ficar coladinho comigo? – seu hálito gélido dançou em meu rosto.

- Com toda a certeza. – fiquei inebriado e beijei-a com ardor.