63 - Conversa com Esther

 

Ela me olhou, um modo estranho. Era evidente que nunca havia pensado nessa possibilidade.
Eu sou menino, poh! Como ela nunca pensou nisso?
- Mãe, tudo bem?
- Você vai namorar uma Buzzi meu bebê? Elas são tão lindas... – ta aquilo foi ultrajante, principalmente por vir de minha mãe.
- Quer dizer que não sou bonito o suficiente para nenhuma delas? – fechei a cara, completamente zangado.
- Não, meu querido! Não! É que elas são tão... perfeitas. – eu podia ver nos olhos dela a mesma admiração pela beleza ofuscante de todos daquela família.
- É. Eu sei. – eu ri. – Mas o teu filho é gostoso demais para que até elas resistissem. – provoquei. Mas então me lembrei de Etelvina, tão espetacular e me odiava. Merda.
Renata ficou horrorizada.
- Não anda se exibindo para ela não é? Olhe a educação. Respeite bem essa moça. Não quero reclamações dos pais dela. – hm, acho que ela captou um pouco da minha personalidade.
Só que dessa vez não era a Clara quem corria o perigo e sim eu.
Mas nunca contaria isso para a minha mãe. Que vergonha!
- Quando ela vem?
- Já deve estar chegando. – comentei. Provavelmente tinha ouvido toda nossa discussão ridícula.
- Aonde vocês vão?
- Vamos jogar futebol com a família dela.
- Oh, meu bebê, você vai jogar futebol com eles. Que ótimo. Espero que se divirtam.
- Mãe! – grunhi. – Pelo amor de Deus não me chama de bebê na frente dela. – prefiro morrer antes.
Nossa cachorra ganiu, dei uma risadinha, segundos depois alguém batia na porta. Renata foi atender, para minha raiva, mas fiquei um passo atrás.
- Entre, Clara.
- Obrigada, dona Renata. – disse ela em tom respeitoso.
- Pode me chamar apenas de Renata. Sente-se aqui.
Clara sentou na única poltrona, obrigando-me a sentar ao lado da minha mãe. Aquilo me irritou muito, lancei alguns olhares zangados para qualquer ponto ou pessoa que os encontrasse.
- Vão jogar futebol em sua casa?
- Sim. Meus pais também vão jogar. Eles adoram. – ela comentou, percebi que foi o comentário perfeito, fez com que Renata relaxasse.
- Ótimo então. – eu levantei com o comentário positivo dela. – Não chegue muito tarde. – fiz uma careta mas não respondi. Seguindo até a porta. – Cuide do meu menino ok? – ela olhou para Clara.
- Mãe! – rosnei.
- Não se preocupe. Ele estará seguro comigo. Prometo.
E eu sabia em quantos sentidos ela poderia estar fazendo essa promessa. Abri a porta e diante do portão havia um Jeep monstruoso e ainda assim muito másculo. Adorei. Era bem a minha cara.
Renata ficou boquiaberta.
- Coloquem o cinto. – lembrou, revirei os olhos.
Mãe! Tudo a mesma coisa.
Seguimos apressados até o carro e eu subi num salto, Clara já estava sentada no lado do motorista. Olhei para aquele monte de fivela e descobri que não sabia como colocar aquilo. Clara deu uma risadinha e começou a me ajudar.
Suas mãos tão próximas de meu corpo eram uma verdadeira tortura. Eu tentava pensar em outra coisa, mas era impossível.
- Está tão quieto. – ela observou, terminando de fechar as fivelas.
- Hmm, imerso em pensamentos que por alguma graça você não pode ler. – fiquei animado.
Ela fez uma carranca. Eu sabia que ela odiava minha mente muda.
- E então, qual é o plano? – perguntei enquanto ela dava a partida.
- Vamos um pedaço de Jeep e depois teremos que correr. – comentou.
- Correr? – meu tom era cético.
- Sim. – ela deu uma risadinha. – Algo o incomoda?
- Tenho certeza que não vamos correr lado a lado não é? – resmunguei.
- Não. Você vai em cima de mim.
Fiz uma careta e cruzei os braços.
- Por que isso? – parecia uma criança mimada.
- Você é lento demais.
- Ah, muito obrigado. Agora eu vou ser depressivo. – comentei com raiva e sarcasmo.
- Não seja tão machista. Você gosta de correr.
- Não seja tão machista. – citei com voz fina e zangada, sem saber o que responder.
Ela riu.
Então pegou a estrada para sua casa e depois de muito tranco e solavanco, paramos ao lado de duas enormes árvores.
- Vamos agora. – ela comentou, sorrindo para mim.
Eu mal terminei minha careta e a porta ao meu lado já estava aberta. Abriu o cinto tão rapidamente que me tirou o fôlego.
- Vamos ou está com medo? – ela provocou.
- Sabe que eu não tenho medo. Espero que meu peso te de dor nas costas. – desejei, raivoso.
Ela gargalhou gostosamente enquanto eu pulava em suas costas. Tudo aquilo recomeçou, a velocidade, a adrenalina, o vento no meu cabelo – era maravilhoso. Mesmo que estar em cima dela fosse algo extremamente humilhante, aquela sensação era maravilhosa.
Então tudo parou.
- Chegamos.
Desci de seu braço, aliviado por sair daquela posição vergonhosa. Peguei em sua mão, tomando as rédeas.
- Vamos para o jogo.
- Que você não vai jogar. – ela interpretou bem minha animação.
- Injustiça. É muita maldade convidar um homem para jogar quando ele não vai jogar.
- Já vi você jogar muito. Está na sua vez de me ver jogar.
Hmm, aquilo ficou interessante.
- Você vai jogar?
- Claro. Sou do Clube dos Fortes. – provocou.
Tentei dar um soquinho no braço dela e provavelmente fraturei minhas juntas. Nem comentei mas minha mão doía demais.
- Clara! Eduardo! – Esther sorriu para mim, amorosa.
- Oi. – cumprimentei.
Elidia veio em nossa direção, parecendo dançar. Parou diante de nós, sorridente.
- Está na hora! – anunciou.
Assim que ela falou, um estrondo grave de trovão sacudiu a floresta para além de nós e explodiu a oeste, na cidade.
- Sinistro, não é? – disse Edvandro com familiaridade, piscando para mim.
- Nem me fale. – comentei, olhando para Elidia.
- Vamos. – Elidia puxou Edvandro e eles dispararam para o campo gigantesco.
- Preparado? – Clara perguntou.
- Para jogar não para assistir. – resmunguei. Ela riu baixinho e saiu, ao encontro de seus irmãos.
Esther ficou ao meu lado.
- Não vai jogar com eles? – perguntei, completamente despreocupado.
- Prefiro ser juiz. Mantê-los honestos, sabe.
- Então eles trapaceiam é? – olhei para Clara, um sorriso em meus lábios.
- Ah sim. Devia ouvir as discussões em que se metem. Bom, na verdade espero que não ouça. – ela comentou, um sorriso orgulhoso em seu rosto maternal.
- Você parece... muito com uma mãe.
Ela riu.
- Sim. Eu os vejo como meus filhos. Acho que nunca perdi meus instintos maternais. Clara lhe contou que perdi um filho?
- Não. – ou eu não lembrava? Tentei puxar na memória.
- Sim. Morreu dias depois que nasceu. Daí tentei me matar. Por sorte Carlos me encontrou. Sou brasileira mesmo. Eles já estavam por aqui quando isso aconteceu. Creio que foi muita sorte a minha. – ela sorriu.
- Concordo. – pensei se essa mesma sorte se aplicava a mim que vim parar na vida de Clara. Acho que sim.
- Clara foi minha primeira filha. Apesar de ser mais velha. Fico muito feliz que você esteja na vida dela. Ela gosta muito de você. – ela sorriu, animada para mim.
- Não acha que sou errado ou sei lá, ruim para ela?
- Que isso. Acho que vai dar certo. De algum modo. – ela ficou pensativa. Isso não me animou.