41 - Perguntas

 

  - Entre. – ordenou ela, olhando para o cara que estava diante de mim.

Me senti humilhado por ser tratado daquela maneira por ela. Também me senti um pouco temeroso pela segurança dela. Afinal, era apenas uma garota.

E então me lembrei: Clara não era apenas uma garota!

Derrotado entrei no carro. O cara olhou apavorado para ela e saiu correndo, tropeçando e caindo, ele ainda se arrastou até conseguir levantar e correr para longe, como se tivesse visto... seu pior pesadelo.

Em alguns instantes Clara estava dando a partida no carro, alcançando rapidamente uma velocidade vertiginosa.

- Coloque o cinto! – ordenou ela.

- Você também deveria colocar. – reparei, enquanto obedecia seu comando.

Ela deu um sorriso torto, mas ainda estava tensa.

- Você está bem? – perguntei.

- Não. – respondeu rudemente. Seus olhos estavam em brasa.

Ela freiou o carro num ímpeto, quase voei pra frente. Ainda bem que estava com o cinto.

- Você está bem? – perguntou ela, sem me olhar.

- Sim. – respondi calmamente.

- Me distraia. – pediu de repente.

- O que? – estranhei.

- Fale de qualquer coisa idiota. – ela apertava o volante com força.

Comecei a contar do filme que tinha assistido. Ela levou a mão e pressionou o nariz, após alguns minutos pareceu se acalmar.

- Posso falar agora? – pedi irritado.

Ela não respondeu. Tomei aquilo por um sim.

- Como me encontrou?

- Como você está se sentindo? – me perguntou. Evitando minha pergunta.

- Bem.

- Não está tonto, enjoado, gelado, ...?

- Deveria? – estranhei.

Ela riu.

- Bem, estou esperando você entrar em choque.

Fiz uma careta.

- Não sou uma menininha! – resmunguei.

Ela fez uma careta.

- Tem certeza que está bem? – indagou.

- Estou ótimo. De verdade. – afirmei.

- Você nem parece abalado. – ela parecia inquieta. Seus olhos estavam num verde tão claro que poderiam ser azuis, nunca os tinha visto tão claros e límpidos como naquele momento.

- Me sinto seguro com você! – confessei, hipnotizado por aquele olhar.

- Isso é mais complicado do que eu planejei. – ela balançou a cabeça, carrancuda.

- Achei que seu humor estaria melhor com seus olhos claros. – observei. Eu não era muito de observar, mas com ela isso era difícil. – Tenho uma teoria.

Ela semicerrou os olhos.

- Mais teoria? Espero que tenha sido mais criativo do que desenhos! – ela zombou, mas ainda tinha os olhos apertados.

- Bem, não foi de desenho. Mas não inventei sozinho. – confessei.

- E? – incitou ela.

- Primeiro eu tenho algumas perguntas.

- Claro. – ela balançou a cabeça, resignada.

- Como me achou?

- Próxima.

Bufei, mas prossegui.

- Tudo bem então. – eu a fitei e prossegui, devagar. – Digamos que, hipoteticamente, alguém pode encontrar as pessoas, ler a mente delas, sabe como é... com algumas exceções.

- Só uma exceção. – corrigiu ela.

Me animei que ela estivesse cooperando.

- Tudo bem então, com uma exceção. Como é que isso funciona? Quais são as limitações? Como... esse alguém... acharia uma pessoa exatamente na hora certa? Como ela saberia que ele estava numa encrenca?

- Hipoteticamente? – perguntou ela.

- Claro.

- Bom, se estivesse prestando a atenção, o senso de oportunidade não precisaria ser tão preciso. – ela sacudiu a cabeça, revirando os olhos. – Mas você consegue se meter em mais encrencas do que eu podia imaginar.

- Estamos falando de um caso hipotético. – lembrei-lhe friamente.

- Sim. Estávamos. Como deseja que eu o chame? – ela riu.

- Como você sabia? – desisti de fingir.

Ela pareceu oscilar, dividida por algum dilema íntimo. Seus olhos pararam nos meus e achei que, naquele momento, ela estava decidindo se simplesmente me contaria a verdade ou não.

- Sabe que pode confiar em mim. – disse.

- Não sei se ainda tenho alternativa. – a voz dela era quase um sussurro, por um momento me arrepiei. – Eu estava errada... Você é muito mais observador do que eu julguei.

Ficamos em silêncio.

- Obrigado. – disse. – Já foram duas vezes.

O rosto dela se suavizou.

- Vamos tentar não ter a terceira. Concorda?

Concordei com uma careta.

- Eu o segui até o centro. – admitiu ela, falando num jato. – Nunca tentei manter uma determinada pessoa viva, e é muito mais problemático do que eu acreditava.

Dei um sorriso involuntário.

- Já pensou que talvez minha hora tivesse chegado naquela primeira vez, com a van, e você esteja interferindo no meu destino? – especulei.

- Não foi a primeira vez. – disse ela, e mal se ouvia sua voz. Eu a encarei, surpresa, mas ela olhava para baixo. – Sua hora chegou quando eu o conheci.

Senti um espasmo de medo com as palavras dela, e a lembrança abrupta de seu olhar sombrio e violento naquele primeiro dia, teve outro significado para mim.

- Você lembra? – perguntou ela, o rosto angelical grave.

- Lembro. – senti alivio por notar que tinha a voz calma.

- E no entanto aqui está você. – havia um toque de descrença em sua voz.

- É, estou aqui, graças a você. – parei. – Por que de algum modo você sabia como me encontrar hoje...? – incitei.

Ela apertou os lábios, encarando-me pelos olhos estreitos, decidindo novamente.