64 - O jogo

 

 

Começou outro estrondo de trovão.
Esther parou então, aparentemente estávamos na ponta do campo. Pareciam que tinham formado equipes. Clara, Carlos e Elidia de um lado – Carlos no que parecia ser o gol imaginário.
Edvandro, totalmente animado do outro lado do meio, Joaquim a vários metros dele e Etelvina no que parecia se o outro gol. Aquilo era meio estranho, as dimensões do campo pareciam absurdamente maiores para tão poucos jogadores.
- Muito bem, - exclamou Esther com a voz baixa, eu sabia que todos ouviriam. – Podem começar.
Elidia ficou enganosamente imóvel, então – sem que meus fracos olhos enxergassem, a bola já estava nos pés de Clara, já no campo inimigo, perto do gol. Sem que meus olhos notassem novamente, Joaquim estava perto de Clara e demorei para perceber que a bola já estava com Edvandro, perto de Carlos, muitos metros a frente.
Edvandro chutou e Elidia já estava no local onde a bola seguia. Com os olhos fechados ela jogou certamente para Clara. O jogo era rápido demais, quando eu percebia onde estava a bola, em seguida já não estava mais.
Era emocionante.
Clara chutou a bola para Etelvina, no enorme gol imaginário. Num átimo Etelvina pegou a bola, chutando-a para Edvandro. O barulho foi ensurdecedor, parecido com a trovoada.
Entendi o porquê da chuva.
A bola passou como um meteoro pelo campo. Carlos se jogou para pegar, mas ele estava distante demais. Do nada Clara bateu com a bola em seu peito, num longo salto, jogou para os pés e disparou para Elidia, com um sorriso, olhos fechados no ponto exato onde foi a bola.
Minha boca se abriu.
- Edvandro bate com força, mas Clara é a que corre mais rápido. – Esther me explicou.
Eu estava quase quicando na ponta do campo, querendo jogar daquele modo excepcional.
O jogo continuou em ritmo acelerado. Parecia que não sairia nenhum gol. Eu mal conseguia acompanhar a bola naquela velocidade – pensei que ela entraria em combustão a qualquer momento – e os corpos se movendo na velocidade incrível.
Depois Carlos e Joaquim se esbarraram perto do gol e o choque foi como duas pedras se chocando violentamente. Eu pulei com aquilo. Mas de algum modo eles estavam bem.
Em algum momento, que eu perdi, Etelvina saiu do gol e conseguiu furar a defesa de Carlos. Um a zero para o time dela. Seu olhar para mim foi de superioridade. Senti vontade de dar uma na cara dela. Esnobe. Essa sim é esnobe. E eu achei que a Clara fosse assim.
Antes que o jogo reiniciasse do meio do campo, Clara correu para mim, rápida como um piscar de olhos.
- Está curtindo? – perguntou, nunca a vi tão animada.
- Depois disso eu nunca vou conseguir jogar de novo futebol. Vai ser tão chato. – comentei.
- Como se você fosse parar. – ela revirou os olhos e disparou para o campo.
Ela jogava com inteligência, e era muito rápida, mais um borrão do que os outros para meus olhos. Ela disparou com a bola pelo campo, até que Edvandro conseguiu rebater. Foi até Carlos, que chutou para Elidia, sempre no lugar exato. Elidia mandou para os pés de Clara, muito a frente do que eu me lembrava anteriormente.
No momento seguinte a bola disparava pelo gol imaginário. Furando a defesa de Etelvina, que ficou com cara de quem estava sendo obrigada a comer espinafre.
Eu comecei a rir.
- É isso ai querida! Fez um gol encima da loura! Rá, rá. – zombei.
Etelvina me olhou com ódio, um rosto de vampira. E uma vampira que parecia querer me matar.
Ainda assim mantive um sorriso de escárnio. Ela estava merecendo. Elidia bateu palmas, toda animadinha. Até que ela é engraçadinha.
Depois disso o jogo ficou mais violento, mais rápido. Era uma verdadeira disputa. Comecei a ver menos do que antes. O placar estava empatando e desempatando constantemente. O trovão soava ao longe, mas ficamos secos, como dissera Elidia.
Carlos estava com a bola, quando Elidia ofegou. Clara virou sua cabeça para ela, seus olhos se encontraram. Antes que os outros pudessem entender ela estava do meu lado.
Eu mesmo estava confuso.
- Elidia? – a voz de Esther era tensa.
- Eu não sabia... Desculpe. – a baixinha olhou para mim.
Todos já haviam se reunido a essa altura. Clara estava do meu lado.
- Acalme-se. O que houve Elidia? – perguntou Carlos, sua experiência médica fazia com que tivesse calma naquele momento.
- Eles estão viajando depressa. Ficaram curiosos. Eles mudaram. – ela parecia apavorada.
- O que mudou? – perguntou ele.
- Eles nos ouviram e mudaram de rumo.
Os olhares dispararam para mim.
- Temos tempo? – Carlos olhou para Clara.
- Menos de cinco minutos. Estão correndo. Pretendem jogar. – ela fechou a cara.
- Acha que... ? – perguntou Carlos, os olhos disparando para mim.
- Não. Não carregando. – ela se interrompeu. – Além do mais não quero que sintam o cheiro dele e resolvam caçar.
- Quantos? – Edvandro perguntou para Elidia.
- Três.
- Ah, isso vai ser fácil. Deixe que venham. – ele fechou os punhos. Aquilo era bem ameaçador.
Carlos ficou pensativo, percebi que todos esperavam pela resposta dele. Eu fiquei atento.
- Vamos continuar o jogo. Eles estão apenas curiosos mesmo. – sua voz fria e inalterada.
Tudo isso foi muito rápido. Durou poucos segundos. Percebi que Esther murmurava para Clara, ela apenas afirmou com a cabeça, nem me importei em saber o que era.
- Você joga Esther. Agora eu sou a juíza. – ela se plantou diante de mim.
Me irritei com aquela atitude.
- Fique calmo. – Clara murmurou para mim. Enquanto os outros, atentos ao redor, voltavam lentamente ao campo.
- Têm outros chegando? – declarei o obvio.
- Sim. Fique quieto e do meu lado, por favor. – eu sentia o estresse dela.
- Não adianta. Dá para sentir o cheiro dele até aqui. – declarou Elidia.
- Eu sei. – havia frustração na voz que eu amava.
Carlos se posicionou, para que recomeçassem o jogo, agora Esther havia ido para o gol. Mas não havia mais disposição neles, estavam nervosos.
- O que Esther perguntou? – tudo bem, confesso, sou curioso.
- Se estão com sede. – ela murmurou de má vontade.
Lembrei-me da negativa de Clara e fiquei um pouco mais aliviado. Os segundos passavam e o jogo continuou de forma apática. De vez em quando, apesar do medo que eu tentava disfarçar, notava o olhar rancoroso de Etelvina em mim.
Clara não estava prestando a atenção no jogo. Estava atenta aos sons e pensamentos vindo da floresta.
- Desculpe Eduardo. Foi muito idiotice a minha trazê-lo aqui.
Ouvi sua respiração parar e os olhos estacaram no campo. Ela deu meio passo, postando-se entre mim e o que estava chegando.
Os outros se postaram na mesma direção, ouvindo o que eu não ouvia chegando.